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Um brinde ao tempo em 2025 - Um brinde ao ano novo (Foto: Reprodução/Pixabay)

Literária: A tudo que não acaba

A coluna Literária, do jornalista Fábio Lucas, é publicada pelo JC.

Romance de estreia de Clarice Freire suscita reflexão sobre o tempo que passa do lado de fora e o que carregamos – e não passa – dentro de nós

Chega o final do ano e o tempo está em todas as conversas – e alguns livros. Como o maravilhoso “Para não acabar tão cedo”, de Clarice Freire, lançado este ano pela Record. Feito a escrita e a leitura, o tempo que carregamos dentro de nós é mais lento que a ampulheta que dá vertigem, de tão veloz, do lado de fora. A escritora pernambucana capta e expõe essa diferença com detalhes poéticos, numa fábula sobre duas irmãs idosas, rejuvenescidas em seus corpos – no mesmo dia, no mesmo lugar. 

Sempre parece que foi ontem, mas o calendário insiste: passaram dezenas de anos. As tentativas de medição do deus Cronos e sua violência inclemente, amoral, surda, indiferente, são todas criadas pela mente humana na observação de marcadores externos. As rotações do sol e da Terra, o deslocamento de ponteiros e números, as páginas viradas em uma agenda. A leitura é mais rápida, a escrita – o tempo da vida – mais lenta. 

Depressa ou demorado, depende do ponto de vista, como afirma, de partida, o narrador do romance de estreia de Clarice Freire. O narrador é o próprio tempo, colorido com a poesia em prosa de um personagem piedoso e apaixonado, distante e próximo feito divindade onisciente para a qual o destino humano não deixa de ser surpreendente. Esse tempo que conta a história de tudo só poderia ser uma constante matemática fora da gente – e talvez nem isso seja, se avançarmos na física filosófica da Relatividade de Einstein. 

As irmãs idosas Augusta e Lia moram na mesma casa, e um dia, acordam jovens. Os anos dilatados dentro das duas, de repente, ganham nova referência nos corpos renovados. Mas não é ficção científica a trama requintada de Clarice. A fantasia é o mote, como em “A metamorfose” de Franz Kafka, para um mergulho literário na mutação corpórea, desta vez em companhia do tempo narrador: “Há instantes em que me dilato dentro das pessoas. Como se uma corda, ao ser esticada, ficasse maior, mas ainda é a mesma corda. E fica difícil dar a mim alguma medida, como gostam de fazer e necessitam”.

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Clarice Freire publicou pela Record – Divulgação

Corpo-relógio

A tal dilatação podemos chamar duração, ou tempo suspenso. Duração porque compreendemos o envelhecimento melhor assim, no súbito que se apresenta decorrido e feito: a criança se olhando no espelho, depois adolescente, adulta, e mais tarde, o mesmo corpo, irremediavelmente diferente. Refúgio de uma vida longa, o corpo-relógio parecendo em compasso ainda mais lento. Ou tempo suspenso, na corda que não temos como medir – porque somos a corda. Na circunscrição dos pontos de vista, um observador não se observa.

A essencial brevidade humana se condensa com a idade, mas também vale imaginar uma cápsula do tempo onde o tempo experimenta outra forma de ser – admitindo que seja algo. No romance “Contato”, de Carl Sagan, que virou filme com Jodie Foster, um artefato projetado por alienígenas ilustra a ilusão do tempo para um observador externo: a nave atravessa uma dimensão temporal em queda livre, com durações radicalmente diversas para quem viaja lá dentro e quem olha de fora. O tempo real é ambíguo, relativístico, depende em que corpo esteja. O corpo define o tempo.

Na obra de Clarice Freire, o inercial para Augusta é dinamismo em Lia, e proposital indefinição narrativa. “Nunca entrei na ordem dos ponteiros onde me enquadram”, diz o tempo que narra. A transfiguração física nas irmãs realça o choque de cada uma delas se preceber “em tudo igual, por dentro, e toda outra, por fora” no espanto de Augusta, e de todos nós. A brevidade que vem de fora avisa: mal temos tempo de nos acostumarmos ao tempo.

Saudade: sentido

No entanto… o tempo insiste. “Passo, é verdade. Mas não saio daqui. Sou sempre eu a ser vivido”. Para cada hora que escapa, cada dia que finda, e ano que se esvai, juntamos reminiscências à memória imaginosa. O instante se alarga para trás, e a saudade faz o tempo ter sentido. “Gosto desses momentos, quando não parece que eu passei”. Somos nós que passamos, os rastros recordam os caminhos, entrecruzados com nossos contemporâneos. Mas para quem atravessa o longo agora, dentro da cápsula, uma eternidade relativa, de esguelha, repara no absurdo além de si, onde os passos numerados prometem materializar o tempo. Como nos assumimos parte do mundo, introjetamos o absurdo, incorporando a expectativa da contagem regressiva implícita em qualquer agenda.

A dádiva do tempo redescoberto à parte do calendário compõe um dos encantos de “Para não acabar tão cedo”. Dentro da gente, o tempo não volta, porque não vai. Na virada do ano, da noite por dia, minuto a minuto, vivemos o tempo que fica. E nos reconhecemos nessas entranhas temporais, da infância ou de ontem, misturadas na consciência do devir num fluxo incessante sempre do lado de lá de nossa fronteira com o tempo, o corpo. 

A vida é mesmo como “um filme que nunca se acaba” porque a história individual não contempla um antes e um depois. Antepassados e sucessores contam e tomam parte em suas próprias e únicas histórias. E se não há antes e depois no exterior de nossa existência, podemos pensar não haver, também, durante. Estar no presente sem pressa atende a um chamado do tempo que somos – e isso talvez seja tudo o que podemos ser. 

Para nada acabar tão cedo, na volta aleatória de um ponto azul ao redor de outro ponto maior na vastidão imensurável do universo, o brinde a se repetir com alegria se apresenta: a tudo que não acaba na vida eternizada enquanto vivemos.

Provocações poéticas

O Instituto Estação das Letras (IEL) começa o ano novo com uma oficina de criação textual, ministrada por Suzana Vargas. Entre os autores que terão trechos de suas obras lidas, figuram Júlio Cortázar, Wislawa Szymborska e Sérgio Sant’Anna. A oficina será online, de 7 a 10 de janeiro, das 7 às 9 da noite. Inscrições e mais informações no site www.estacaodasletras.com.br.

Débeis brumas

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Rafael Dias lança no Recife – Divulgação

A Livraria Imperatriz do Shopping Recife irá receber, na sexta, 10 de janeiro, às 19h30, a sessão de autógrafos de “Débeis brumas”, obra poética que marca a estreia literária de Rafael Dias, em publicação da Urutau. No sábado às 2 da tarde, o Instituto Ploeg, no centro da capital pernambucana, terá roda de conversa com o autor, da qual irão participar o presidente da Academia Pernambucana de Letras, Lourival Holanda, Maria do Carmo Nino e Fernando de Mendonça, com mediação de Márcio Bastos.

Férias no Jardim

A Livraria do Jardim, no Recife, prepara uma agenda especial de férias para as crianças em todos os sábados de janeiro. Cultura com diversão em um ambiente cheio de livros e muito espaço do lado de fora, para brincar com os amigos. Acompanhe o Instagram @livrariadojardim e confira a programação de atividades.

FLITI

Estão abertas as inscrições para autores e artistas independentes participarem da 5ª edição da Feira Literária Internacional de Tiradentes – FLITI, em Minas Gerais. O evento está marcado para acontecer de 9 a 13 de abril do ano que vem. Edital e outras informações em www.fliti.org.br.

O rosto esquecido

A Editacuja lançou no Brasil a obra de Jeanine Grisius, com tradução de Lilian C. S. dos Santos e Gisele Eberspächer. “O rosto esquecido – À procura de minha mãe africana” foi publicado originalmente na França em 2001. O livro é uma autobiografia que “reflete sobre o impacto do colonialismo na identidade negra”, segundo a divulgação da editora. A autora nasceu em Ruanda, passou parte da infância e da juventude em Luxemburgo, e mora atualmente na Suiça.

Preciso de um poema novo

Saiu pela Arribaçã o livro de W. J. Solha, “uma aventura ontológica, feita em forma de poema-rio, de quem João Cabral foi um dos seus maiores adeptos e defensores”, nas palavras de Ronaldo Costa Fernandes. Com “Preciso de um poema novo”, Solha se reafirma como “uma das mais altas vozes da poesia contemporânea em língua portuguesa”, segundo Edmílson Caminha.

Samba fandango

A editora Aboio está lançando a obra vencedora no edital do PROAC de São Paulo em 2023. “Samba Fandango”, romance de Andreas Chamorro, retrata um complexo fictício de favelas e faz “uma ode à potência das histórias marginalizadas”, segundo Marcelo Conde.

Coisas difíceis de ressuscitar

Obra vencedora do Prêmio da Biblioteca Pública do Paraná, a reunião de contos em “Coisas difíceis de ressuscitar”, de Juliana Garbayo, foi publicada no ano passado pela Caos & Letras. Para João Paulo Vaz, o olhar da autora “sobre o comportamento humano junta a agudeza da psiquiatra à sensibilidade da contista”. Carioca morando em Portugal, Juliana Garbayo é mediadora do Leia Mulheres Porto.

Siríaco e Mister Charles

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Joaquim Arena venceu o Oceanos – Divulgação

Obra vencedora do Prêmio Oceanos em 2023, o romance histórico de Joaquim Arena, escritor nascido em Cabo Verde que vive em Portugal, foi lançado este ano no Brasil pela Gryphus. O livro narra o encontro entre o jovem Charles Darwin e o ex-escravo Siríaco, na ilha de Santiago, em Cabo Verde. O prefácio da edição brasileira é assinado por Mary del Priori, para quem “Arena sublinha a necessidade que temos de nos integrar a um tempo mais humano, no qual os protagonistas permitiram e encorajaram o encontro de mundos diversos”.

Gabriela Lages premiada

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A premiada autora de “O mar de vidro” – Divulgação

A Academia Maranhense de Letras (AML) premiou “O Mar de Vidro”, de Gabriela Lages Veloso, em segundo lugar na categoria livro de poesia em 2024. A cerimônia de entrega do prêmio foi no último dia 16, na sede da entidade, em São Luís. Para Marta Cortezão, a obra traz “de um lado, o mar como representatividade do curso da existência humana e a instabilidade de seus sentimentos e desejos; de outro, o espelho, superfície do mar que reflete a imagem contemplada e que a confronta com seus reais abismos, aqueles do eu profundo”.

Livraria Pó de Estrelas

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A família editora na livraria – Divulgação

Em mensagem compartilhada em suas redes, Patrícia Vasconcellos, a filha Gabriela e os filhos Rodrigo e Pedro, celebram a abertura, no Recife, da livraria que leva o mesmo da editora Pó de Estrelas. “O ano que vai chegando ao fim foi de muita vida vivida: conquistas e desafios”, dizem. “Ser uma editora e livraria no Nordeste do Brasil e ir chegando em tantos cantinhos do país é massa demais!”. A casa é especializada em livros ilustrados, livros para as infâncias, livros de artista e livros sobre livros.

Café delgado e outros etarismos

Publicado de forma independente, o livro “Café delgado e outros etarismos” reúne textos de Djeison Hoerlle e ilustrações de Braian Malfatti, originalmente postadas no Instagram. O material foi ampliado, ganhando contos e ilustrações inéditas. A edição foi feita por Daniel Galera, e o texto da orelha é assinado por Rafael Gallo.

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