Por Thereza Castro
Embora a Inteligência Artificial (IA) possa parecer uma novidade repentina, suas raízes remontam aos anos 1950. O que realmente transformou o cenário nos últimos dois anos foi a velocidade vertiginosa de seu aperfeiçoamento e sua crescente acessibilidade ao grande público. De Jesus holográficos que interagem com fiéis a IAs que simulam e discutem com a própria Anitta, questionamos o que virá a seguir. Essa rápida evolução exige que entendamos e nos adaptemos a essa nova realidade.
Enquanto acompanhamos essa transformação em escala global, a pergunta que se impõe é: como a IA está sendo aplicada no mercado editorial e qual o impacto disso para o leitor? A resposta é ampla e envolve desde mudanças sutis até potenciais transformações na cadeia produtiva do livro. Vale lembrar que, no Brasil, a discussão sobre regulamentação ainda se alonga, com o PL 2338/23 em tramitação na Câmara.
A IA no setor editorial abrange diversas aplicações; ela pode otimizar processos como tradução, revisão, capa, ebook e até audiolivros, agilizando etapas que demandam tempo e recursos. No entanto, essa facilidade, com cada vez maior evolução técnica de resultados, não pode substituir a expertise humana, sob pena de afetar inclusive a originalidade das obras. Ao mesmo tempo, não há dúvidas de que a opção pelo uso pode viabilizar publicações que de outro modo não seriam ofertadas. Porém, nesse contexto de incerteza regulatória, a transparência sobre a opção de utilização da tecnologia torna-se não somente um gesto de honestidade, mas um direito do leitor e um dever de quem produz, construindo uma relação baseada na confiança, na ética e na clareza.

Para o leitor, o impacto da IA é multifacetado e se manifesta em diferentes níveis, dificultando que consigamos abrangê-la na totalidade em somente um artigo; assim, nos voltemos a alguns pontos comuns e seus diferentes lados.
A personalização da experiência de leitura, por exemplo, por meio de algoritmos de recomendação cada vez mais sofisticados, pode direcioná-lo a obras que correspondam aos seus interesses e preferências. Ademais, o acesso aos textos em áudio e em diferentes idiomas com tanta facilidade amplia o alcance da literatura.

No entanto, essa mesma personalização algorítmica pode aprisionar o leitor em uma “bolha” de obras e gêneros com os quais ele já está familiarizado, limitando a sua exposição a novas ideias e perspectivas que poderiam desafiá-lo e enriquecê-lo intelectualmente. Há também o risco de a IA reforçar preconceitos e estereótipos existentes. Além disso, os processos automatizados de tradução ou narração, embora ágeis e acessíveis, ainda podem conter erros, imprecisões e distorções que afetam a qualidade e a fidelidade da obra original.
Mais do que isso, é preciso estar atento ao fato de que todas as ferramentas de IA são, em última instância, propriedade de alguma organização com recursos e interesses próprios, o que levanta sérias questões sobre o controle e a manipulação da informação, da cultura e do conhecimento. Nesse sentido, a crescente presença da tecnologia em todos os aspectos da nossa vida, inclusive no campo da produção cultural e intelectual, exige que o leitor seja um agente ativo e consciente, que se informe sobre o uso da IA, que questione as motivações por trás das empresas que a desenvolvem e que defenda o seu direito à escolha, à diversidade e à qualidade na leitura.
A busca por um equilíbrio entre a eficiência, a acessibilidade e a qualidade é um desafio que se impõe a todos os agentes do mercado, sejam produtores ou leitores. Não podemos esquecer que a IA é a nova realidade, e ela só irá avançar; por isso, o uso que fazemos dela é tão importante, a decisão de como uma ferramenta será utilizada, afinal, está em nossas mãos como sociedade. O futuro da leitura dependerá da capacidade de todos nós de trilharmos um caminho que nos permita usufruir dos benefícios da tecnologia sem renunciar à essência da experiência literária humana.
Thereza Castro é advogada com foco em direitos autorais e estrategista de inovação para o mercado literário. Formada em Direito pela FMU, Pós-graduada pela PUC/SP, atua como advogada há nove anos, há cinco com foco em direitos autorais. Estudou liderança em inovação pela Universidade Hebraica de Jerusalém, reconhecida como um dos maiores polos tecnológicos do mundo.