“Cacto na boca” é o título do livro de poemas que a escritora, poeta, editora e arteterapeuta Gianni Gianni lança hoje, 30 de janeiro, às 19h, na Livraria do Jardim, no Recife. A obra, publicada pela Círculo de Poemas, reúne poemas que tanto podem ser lidos individualmente, como ser compreendidos com um poema único, em forma de peça de teatro. No lançamento, haverá um bate-papo com Julya Vasconcelos.

A autora conta que, em 2022, fez uma viagem até Piranhas (Alagoas),com um grupo de amigas. Nos passeios e trilhas pela região, conheceu a grande variedade de cactos que compõe a fauna do lugar. “A partir dessa viagem me veio essa imagem de um cacto na boca, uma imagem forte, de violência, que traz questões do falocentrismo, de silenciamento”, lembra. Com essa imagem na cabeça, foram surgindo textos curtos que funcionam como exercícios cênicos, anotações, esboços, numa prática bastante costumaz no seu fazer literário.

Em 2024, Tarso de Melo, editor do Círculo de Poemas, procurou Gianni para saber se ela tinha algum material para apresentar à editora. Assim, a escritora retornou a esses “poemas soltos”, pensando mais sobre eles e sobre uma possível estrutura. “Eu me dei conta de que eu tinha mais material do que eu imaginava e que passava um pouco por essa experimentação em gêneros diversos. Se fala muito do teatro, mas existe a presença do verbete, existe também o gênero muito usado nas artes visuais que é essa coisa das instruções. Então o livro é um pouco esse mosaico. A própria estrutura das cenas são de roteiro cinematográfico. Eu fui pensando numa composição e, de algum modo, o alinhavamento deu esse acabamento teatral, essa estruturação em atos. Não havia um projeto anterior”, destaca.

“Cacto pela boca” constrói uma denúncia do teatro intolerável em que a vida se converte. A voz poética de Gianni se nega a continuar atuando, a aceitar os papéis impostos e a seguir as regras do jogo. As violências e os incômodos perpetuados pelo “colega branco”, pela “amiga branca” e pelo “crítico branco” são confrontados em versos afiados. 

bisa Josefa Georgina fala
uma lavadeira
preta
leva pedrada
de moleque
livra moleque
de surra
menino não teve intenção
disse a lavadeira
do maxilar descolado
da língua impedida
da barba farta

Para a autora, “Cacto na boca” traz elementos relacionados ao racismo cotidiano, muito do que Grada Kilomba fala no livro “Memórias da Plantação”. “Acho que ele se confunde nesse lugar confessional com um lugar muito experimental. Tem, sem dúvida, a ver com a minha própria experiência no mundo, mas eu acho que ele é muito atravessado pela minha formação intelectual. Este livro trata de racismo e de colorismo, pautados numa experiência pessoal e ancestral, mas também fala muito sobre formação teórica. Uma busca pessoal para encontrar um lugar, no momento em que eu me vejo confrontada a rever o meu próprio repertório, uma vivência acadêmica ligada a linhas literárias e pesquisas prioritariamente europeias e norte-americanas. Um momento em que eu me proponho a entender esse meu lugar, em diálogo com um mundo que também vem tentando rever a sua própria construção subjetiva, simbólica, intelectual”, destaca. 

Diante de tantos incômodos, “é sempre útil ter um cacto à mão”, e tudo aquilo que desce goela abaixo pode voltar com força “numa metralhadora de espinhos […] na garganta”,  “observa se/ ao te retirares das páginas/ levas espinhos nos dedos”. Com seus versos afiados, a autora transforma, em “Cacto na boca”, as violências em poesia num diálogo estreito com questões mobilizadoras do mundo contemporâneo. 

Gianni Gianni é autora também de “feito em círculos” (Flecha, 2021), além de ter participado das antologias como “Faça um samba enquanto o bicho não vem” (Telaranha, 2024) e “O poema se chama política” (Impressões de Minas e MTST, 2021). 

Cacto na boca

Bate-papo com Gianni Gianni e Julya Vasconcelos

30 de janeiro, das 19h às 21h

Livraria do Jardim – Av. Manoel Borba, 292, Boa Vista, Recife – PE