Por Mariana Oliveira
Em maio de 2023, “O ninho”, de Bethânia Pires Amaro, recebeu o Prêmio Sesc de Literatura. Alguns meses depois, em novembro, o livro foi publicado pela Record. No final de 2024, a obra recebeu o Jabuti na categoria contos, além do Prêmio APCA de Literatura.
“O ninho” é o livro de estreia de Bethânia Pires Amaro, uma pernambucana criada na Bahia, mãe da pequena Aurora, e que hoje vive e trabalha em São Paulo. Com uma formação acadêmica no campo do Direito, Bethânia, apesar de atuar como procuradora, vem cultivando sua paixão pela escrita.
Nesta entrevista ao Livronews, ela conta que sempre escreveu, mas que durante a pandemia resolveu abrir mais espaço para a literatura em sua vida. Passou a frequentar cursos e oficinas. Foi aluna do Curso Livre de Preparação de Escritores da Casa das Rosas, em São Paulo, da Oficina de Criação Literária da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, coordenada por Luiz Antonio de Assis Brasil, entre outros. Segundo ela, esse processo foi fundamental para se aproximar de pessoas com os mesmos interesses e para que seus textos pudessem ser lidos criticamente.
Foi exatamente nesses ambientes que “O Ninho” começou a nascer, inicialmente, como um livro de contos de humor. “Aos poucos o projeto foi mudando completamente, à medida que eu percebia que os temas relacionados à família e à maternidade vinham cada vez mais se infiltrando no meu texto. Quando percebi, já tinha mais contos nesta temática do que contos curtos de humor, então alterei o projeto completamente, e ele ganhou um novo tom e novos propósitos”, conta nesta conversa, na qual ela também fala sobre seus próximos trabalhos e seu amor pelo gênero conto.
{L} Sérgio Rodrigues, além de lhe chamar de revelação, diz que você é uma das melhores contistas da literatura brasileira. E Giovana Madalosso vê, no seu primeiro e tão premiado livro, o nascimento de uma autora brilhante. Aproveitando o verbo, que também está presente no Ninho o tempo todo, como foi nascer como escritora assim, Bethânia, com tal recepção?
Bethânia Pires Amaro – Foi uma surpresa e uma alegria. É muito difícil ter uma percepção exata de como o nosso trabalho será recebido pelos demais, e além disso o que move a escrita é outra coisa, é uma pulsão interna e espontânea. Mas, logicamente, ao escrever sempre pensei em construir uma boa experiência para o leitor, em honrar os temas trabalhados e as mulheres ali representadas. Então esse retorno é muito gratificante e me motiva muito a continuar escrevendo. Fico sempre muito tocada com a generosidade do Sérgio e da Giovana, que me receberam com tanto carinho e tornaram possível que eu trouxesse este livro ao mundo. Além de serem grandes autores que eu já admirava, eles tiveram a gentileza de estender a mão a alguém que estava começando, não somente como parte do júri do Prêmio SESC, mas de inúmeras formas, me senti realmente acolhida e sou muito grata por isso.
{L} Você vem do Direito, é procuradora, e agora entrou no campo da literatura. Como foi sua formação nessa área? Você participou de muitas oficinas e cursos?
Bethânia Pires Amaro – Sempre escrevi, mas de uma forma mais intuitiva, e durante a pandemia decidi que gostaria que a literatura ocupasse um espaço maior na minha vida. A partir daí busquei mais conhecimento técnico acerca da escrita criativa e participei de uma série de cursos e oficinas, dentre as quais a Oficina Subtexto, da Cíntia Moscovich, uma autora extraordinária, o Curso Livre de Preparação do Escritor – CLIPE, da Casa das Rosas de São Paulo, onde tive a oportunidade de ter aulas com outros grandes escritores dos quais eu já era leitora. E enfim a Oficina de Criação Literária da PUC/RS, com o Prof. Dr. Luiz Antonio de Assis Brasil. Sou uma grande entusiasta das oficinas porque, vinda de outra área, foi nelas que consegui ter acesso a pessoas que lessem criticamente o que eu escrevia, além de poder me cercar de pessoas com o mesmo objetivo literário, o que foi um imenso incentivo. E ainda tive o bônus de fazer ótimos amigos.
{L} Os contos que compõem “O Ninho” foram escritos dentro dessas oficinas? Em que medida esses interlocutores foram importantes para o livro?
Bethânia Pires Amaro – Sim, o projeto do livro foi desenvolvido principalmente durante a Oficina de Criação Literária da PUC/RS, e contou com a leitura do Assis Brasil e dos colegas, que generosamente compartilharam comigo suas impressões. Mas alguns dos contos remontam à minha primeira oficina, com a Cíntia, e o projeto passou ainda pela leitura crítica de Anita Deak, que havia sido minha professora no CLIPE, de modo que ele foi o resultado de dois anos de escrita e muita reescrita após estas análises.
{L} O livro traz 15 contos e eles discutem questões familiares. Isso foi algo pensado? Ou foi algo que foi surgindo?
Bethânia Pires Amaro – Foi algo que surgiu naturalmente. De início eu pensei em escrever um livro focado em contos curtos de humor, mas aos poucos o projeto foi mudando completamente, à medida que eu percebia que os temas relacionados à família e à maternidade vinham cada vez mais se infiltrando no meu texto. Quando percebi, já tinha mais contos nesta temática do que contos curtos de humor, então alterei o projeto completamente, e ele ganhou um novo tom e novos propósitos.
{L} Por que você fez a opção por usar a primeira pessoa na maioria dos contos do livro?
Bethânia Pires Amaro – A maioria dos contos é de fato em primeira pessoa, porque neste livro eu quis explorar alguns pontos cegos dos personagens, queria que o leitor percebesse algo que nem o personagem havia percebido sobre si ou sobre a situação em que se encontrava. Com isso, esperei chamar o leitor para mais perto do texto, e a primeira pessoa permite explorar essas nuances com mais facilidade.
{L} O ninho, o seio familiar, é um lugar apenas de amor? É um lugar seguro?
Bethânia Pires Amaro – Nossos ninhos são tanto fonte dos nossos amores como de nossos traumas mais profundos, de comportamentos que nem sempre percebemos que reproduzimos, ainda que sejam reprováveis. Eu quis trabalhar justamente essa dificuldade de escapar de nossos padrões familiares, daquilo que ouvimos de nossas mães e nossas avós e repetimos às nossas filhas. A pandemia deixou ainda mais claro o quanto a casa nem sempre é um lugar seguro para nós, mulheres, e que muitas violências são naturalizadas no seio familiar.
{L} Qual foi o primeiro conto escrito?
Bethânia Pires Amaro – A espera. Escrevi este conto quando ainda nem pensava em escrever um livro.
{L} Por que a opção por começar pelos contos? Você acha que esse é um “caminho natural”?
Bethânia Pires Amaro – Na verdade, há muitos anos que escrevo somente contos. Sou apaixonada pelo gênero. Pelo contrário, depois que terminei O ninho, pensei que seria muito difícil publicá-lo, por isso comecei um romance, na esperança de ter algo mais fácil de apresentar às editoras. No final, o livro venceu o Prêmio SESC na categoria e saiu pela Record, mas penso que o autor acaba começando pelo seu gênero de preferência, que lhe sai mais naturalmente.
{L} Tem um romance vindo por aí?
Bethânia Pires Amaro – Sim, tenho um romance que será publicado pela Record, ainda sem data de lançamento. É uma história que se passa na Bahia, onde cresci, e que também trata de relações familiares, especialmente entre mulheres. Espero ter novidades em breve!
{L} Você teve uma filha recentemente. Como essa experiência tem impactado na sua escrita?
Bethânia Pires Amaro – Aurora é uma chefe exigente, tem me sobrado pouco tempo para a escrita. Como pude conversar com muitas mulheres sobre experiências reais e não idealizadas sobre a maternidade, não acho que minhas perspectivas sobre o tema mudaram. É algo ao mesmo tempo desafiador e maravilhoso.
{L} Você nasceu no Recife, viveu sua infância em Salvador e hoje vive em São Paulo. Como é sua relação com essas cidades?
Bethânia Pires Amaro – Amo todas! Cresci na Bahia, em Ilhéus e em Salvador, e estou há dez anos em São Paulo, onde fui muito bem recebida. Do Recife não tenho memórias de infância, saí de lá muito pequena, mas vou sempre que posso para visitar os amigos e aproveitar a cidade. De todo modo, penso que a minha escrita sempre retorna à Bahia, onde fui criada e onde está a maior parte da minha família. Lá tive a maior parte das minhas vivências.
{L} Se você pudesse citar autores e obras que de algum modo te influenciaram, quais seriam?
Bethânia Pires Amaro – Busco ler muito e de tudo, principalmente autores contemporâneos, brasileiros e latino-americanos. Especificamente para O ninho, fui influenciada pelas obras de grandes contistas como Lucia Berlin, Giovana Madalosso, Cintia Moscovich, Jarid Arraes, Rafael Gallo, Marcelino Freire, Maria Fernanda Ampuero, dentre tantos outros.
{L} “O Ninho” foi um livro amplamente premiado. Começando com o SESC e agora, há alguns meses, o Jabuti. Como você vê essa trajetória da obra e sua como escritora?
Bethânia Pires Amaro – Mais uma vez, com muita surpresa e muita alegria. A gente não escreve pensando em ganhar prêmios, mas eles sem dúvida ajudam muito um livro a ganhar reconhecimento e projeção para os leitores. Sou muito grata a todos os jurados que se sensibilizaram com estas histórias e contribuíram para que o livro fosse cada vez mais lido Brasil afora.