Para quem faz livro e
Para quem gosta de ler
Carolina Alcoforado

Carolina Alcoforado – Leitura é formação de futuro: a literatura nas escolas

Com o lema “Da árvore ao livro” utilizado a certa altura da trajetória, o grupo empresarial do qual faz parte a Editora Melhoramentos, com tradição de mais de 130 anos de história, investe cada vez mais na formação de leitura nas escolas. O modelo de negócio já foi do plantio do eucalipto e da produção de papel até a editora e livraria. Agora o modelo é outro. Para Carolina Alcoforado, diretora de Inovação e Novos Negócios, a literatura ainda tem um enorme potencial a ser explorado nas escolas, e é nesse nicho que a editora está focando, com produtos de formação de leitura com apoio da tecnologia. Sem desprezar a importância da publicação em papel. E aprofundando uma ligação igualmente antiga com a comunidade escolar. A editora financia uma escola rural, em Camanducaia, no interior de Minas Gerais, há mais de 70 anos: a Escola Rural Particular Alice Weiszflog, onde também funciona uma biblioteca para a comunidade.

Editora licenciada mais antiga da Disney no Brasil, a Melhoramentos guarda em seus arquivos um contrato assinado pelo próprio Walt Disney, e o primeiro livro do Pato Donald publicado. O passado inspira o constante fazer do futuro. “O mercado editorial, em geral, tradicionalmente opera de forma mais reservada, mas queremos seguir um caminho diferente. Queremos abrir portas, ser mais parceiros, por uma bibliodiversidade conjunta”, diz Carolina Alcoforado nesta entrevista ao Livronews. Assim, “talvez a gente obtenha melhores resultados, e não resultados tão ruins como o que vimos na Retratos da Leitura”, acredita, em referência à pesquisa que apontou a redução de 11 milhões de leitores no Brasil na última década.


{L} Como a inovação faz parte da Melhoramentos, em mais de um século de percurso?

Carolina Alcoforado – Obviamente uma empresa de mais de 130 anos precisou mudar várias vezes ao longo do caminho. E mudar seu modelo de negócios. Foi focando em outras coisas. Atualmente, a Companhia Melhoramentos de São Paulo é uma empresa multinegócios de capital aberto que atua, diretamente ou por meio de suas controladas, nos segmentos Editorial, Cultivo e Manejo de Florestas, produção de Fibras de Celulose de Alto Rendimento, embalagens sustentáveis à base de fibra de celulose e Desenvolvimento Imobiliário (Altea). No caso da editora, estamos focando agora em conteúdo e curadoria. A gráfica deixou de fazer parte do grupo. O meu papel vem daí. A gente vem fazendo uma remodelação do grupo. Qual o futuro do setor editorial? O que a gente precisa mudar no modelo de negócio, para continuar relevante e tendo o impacto que o grupo se propôs, que é melhorar o amanhã? 

{L} A resposta veio em que direção? 

Carolina Alcoforado – A editora está muito conectada à educação, à formação de leitores, e daí se desdobra toda a nossa estratégia como empresa. No caso da editora, a inovação envolve tecnologia. Lançamos um produto novo, que é basicamente um produto com uma linha pedagógica por trás, um projeto de formação de leitores de fato. É um arcabouço interessante para o professor. A literatura tem um enorme potencial a ser explorado nas escolas. Foca-se muito no didático, e as escolas estão começando a perceber que isso tem um preço. Sem formação de leitores, o desempenho dos alunos é pior em várias disciplinas. Isso está ficando tão claro, tão óbvio, que as escolas estão começando a buscar parceiros, ou até desenvolvimentos internos de literatura. 

{L} Como uma editora pode apoiar a escola, nessa hora? 

Carolina Alcoforado – A literatura e os didáticos possuem características e propósitos bastante distintos. Por mais que os dois sejam livros, e importantes, têm papeis diferentes. A formação da literatura pede uma boa curadoria, não simplesmente entregar um livro para cumprir tabela – a gente precisa de um livro com um conteúdo que de fato vai ser explorado naquela faixa etária, para crianças e jovens. E gere impacto por meio da história. A editora vem para a área de inovação e novos negócios para traçar novos caminhos. Há uns dois anos, trouxemos uma consultoria para ver o que estava acontecendo no mercado, e o que não estava acontecendo mas poderia ser um potencial. Começamos a olhar quem são os players do mercado. No nosso caso, a criança, o jovem, o pai, o professor, a escola. A gente tem essa vertical que está tanto com o trade, que são os livros de entretenimento, mas também com as escolas e a formação de leitores. Que produtos podemos criar, que modelos de negócio diferentes, pensando como foco o conteúdo literário – não temos nenhuma intenção de ir para o conteúdo didático, nada do tipo, a nossa expansão é focada no conteúdo literário. Como podemos ter a melhor curadoria, e onde estão os gaps nesse mercado, que a gente pode ajudar? 

{L} Então a curadoria não se limita às publicações da Melhoramentos?

Carolina Alcoforado – A bibliodiversidade é importante, e fomos atrás de outros conteúdos que não fossem exclusivamente nossos. O nosso papel é de grande curador. Vamos continuar lançando várias obras, tivemos um livro indicado como finalista ao Jabuti em 2024. Uma grande honra, algo especial para a gente, que mostra muito sobre o trabalho do time editorial. Mas nos projetos literários, na formação de leitores, podemos ter um conteúdo mesclado, de forma que consigamos ampliar o acesso a conteúdos diferentes e complementos de formação. 

{L} Qual a principal estratégia para chegar nesses objetivos? 

Carolina Alcoforado – O produto literário digital que a gente traz precisa de uma estrutura muito simples. A conexão de internet não precisa ser tão rebuscada, não precisa de um aparelho rebuscado para poder funcionar. E por que fomos para esse tipo de conteúdo? Porque estamos vendo uma mudança no consumidor final, que é a criança. Como engajar esse leitor? O momento atual é de transição geracional. Um professor educado com livro físico, mas a criança está sendo criada no meio digital. Então, como usar a isca do meio digital para trazer a criança para o mundo literário, e garantir a formação de leitor necessária para ela? Que vai desenvolver o pensamento crítico, a capacidade de interpretar problemas, vai criar um repertório diferente, uma outra visão cultural, com diversidade. Todas essas coisas devem estar na formação literária dessa criança. A partir do momento que a gente traz a opção de uma formação leitora, seja digital, seja híbrida, seja 100% física. E aí isso vai depender de cada escola, da escolha, do posicionamento. 

{L} Há uma tendência no posicionamento das escolas? 

Carolina Alcoforado – Começa mais no físico, talvez transite para um híbrido. Há escolas que nunca vão ser 100% digitais. A gente também não acredita em produtos 100% digitais o tempo todo. A primeira infância exige o contato com o livro físico. É uma questão de memória afetiva, tátil, de coordenação motora fina, na ação de virar a página. Na primeira infância, não pode ser só digital. Mas o leitor com certa intimidade com o livro, que já teve o engajamento com o mundo digital e levou para o livro, ele consegue, quando mais velho, consumir mais conteúdo de maneira digital. 

{L} Quais são os produtos da Melhoramentos para formar leitores? 

Carolina Alcoforado – Dentro do nosso portfólio, os projetos literários são o ImaginaMundo, para o Fundamental 1, físico e digital, e o Literama, para o fundamental 2, só digital. Para alunos que já têm familiaridade com o livro. É uma biblioteca virtual, que passou por uma curadoria. Não são 100 milhões de livros. Há um direcionamento. Para cada série, uma biblioteca disponível, curada especificamente para aquela idade, para uma leitura direcionada. E o professor pode escolher também. A gente dá opção, para cada ano, de 20 livros, por exemplo, para o professor, para que ele escolha quais os 5 ou 6 que deseja trabalhar ao longo do ano em sala de aula com os alunos. A criança vai ter acesso aos livros obrigatórios, e a outros, se tiver interesse. A leitura é associada a uma gameficação, obviamente, para fazer o engajamento do aluno, com perguntas sobre a história. Ele precisa ter avançado na história para conseguir algumas premiações dentro do jogo, e andar. A professora pode escolher se trabalha o livro em sala de aula e o game vai para casa, ou se eles mesmos fazem uma dinâmica dentro da sala de aula. Isso funciona para o ImaginaMundo e para o Literama, é a mesma base. Os dois são no metaverso. 

{L} E o que diferencia para os mais novos, para despertar a atenção à leitura?

Carolina Alcoforado – No ImaginaMundo são criados universos literários: de contos de fadas, de mistério. Para cada idade, um tratamento e a direção do trabalho a ser feito. A curadoria de livros inclui títulos não só da Melhoramentos. Trazemos livros de outras editoras para compor aquele contexto específico. Oferecemos todo um suporte para o professor também, para aprender a trabalhar, ver a evolução dos alunos. Um treinamento específico. Como é um aluno um pouco mais novinho, então a gente entrega livros físicos junto com a plataforma. Um número mínimo de livros físicos precisa ser entregue, porque a gente entende que é uma forma de atrair a criança para a leitura, em contato com o objeto livro. Inclusive de outras editoras. A ideia é levar o pacote completo para as escolas. Com toda a base pedagógica feita, considerando a BNCC. O jogo é feito por autores. No caso do ImaginaMundo, a gente criou histórias para os universos, e contratamos um autor para fazer a história. É como se fosse um grande livro com várias histórias dentro. Uma história mestra e outras que vão sendo agregadas ao longo do caminho, com o que o professor tem mais familiaridade para trabalhar, ou com mais aderência ao tipo de conteúdo que a escola proporciona. 

{L} Além das plataformas digitais, vocês fazem outra proposta às escolas?

Carolina Alcoforado – Sim. O nosso terceiro pilar é o Planeta Leitura. Hoje, só com livros da Melhoramentos. Entregamos 8 títulos físicos, curados para aquela idade. A escola pode trocar um ou outro, para um conteúdo mais específico. Mas já contamos com uma formação pelo Instituto Emília, e trazemos terceiros para criticar a curadoria, dando isenção ao conteúdo colocado. Esses são os planos para as escolas, de formação de leitores. Produtos que a gente acredita que são muito fortes para gerar aquele bichinho de dentro que faz a criança, depois, buscar um livro avulso, para conhecer um pouco mais as histórias que a gente tem. 

{L} Por que inovação numa editora?

Carolina Alcoforado – Não é só uma questão de tecnologia, como os produtos que a gente vem criando. Mas também de revisar o modelo de negócio. Como a gente se enxerga? O mercado editorial, em geral, tradicionalmente opera de forma mais reservada, mas queremos seguir um caminho diferente. Queremos abrir portas, ser mais parceiros, ter uma bibliodiversidade conjunta. Acreditamos que, se trabalharmos mais juntos, talvez a gente obtenha melhores resultados, e não resultados tão ruins como o que vimos na Pesquisa Retratos da Leitura. 

{L} Abrir em que sentido?

Carolina Alcoforado – O que a gente começa a abrir é repensar formas de distribuição do conteúdo. Dentro da Árvore, ganhamos prêmio, em 2024 novamente, como editora mais lida. Isso não atrapalha em nada nossa venda de livros. São formas de disponibilizar o conteúdo. O grupo já vem de uma evolução de inovação muito longa. A Editora Melhoramentos foi a primeira a produzir o livro colorido no Brasil. Como continuar esse legado para transformar a editora no que ela deve ser nos próximos 10, 15 anos? Tem muito mais a ver com reposicionamento. Quais os livros que vamos lançar? Deverá estar conectado com a curadoria que definimos para o negócio. 

{L} O que muda do ponto de vista editorial?

Carolina Alcoforado – Os lançamentos passam por um crivo. Não fazemos livro sobre inovação, porque não atuamos com livros de negócio e coisas assim. Mas dentro de nossa especialidade, quais os livros que vamos falar? De sustentabilidade, de diversidade, por exemplo. Somos uma empresa certificada pelo Sistema B. E muito tem a ver com a curadoria de títulos, com o que o nosso catálogo incentiva. Pensando no legado, como transformar o legado em um negócio do futuro. A gente não acredita em acabar com o livro. Mas acreditamos num mix de digital e físico, porque uma geração nova está vindo aí. Já está aí. 

{L} A geração nas escolas, e nas telas. 

Carolina Alcoforado – O nosso papel também é apoiar a escola e o professor a engajar o aluno, uma das maiores dificuldades que eles têm hoje. Ao mesmo tempo, com uma curadoria de qualidade, com inclusão, diversidade, sustentabilidade. Todos os nossos livros estão nesse segmento. E dar a chancela, para facilitar um pouco mais a escolha. Como a gente falou, não necessariamente só com títulos nossos, mas outros títulos para fazer a composição e apoiar a escola em uma maior qualidade de leitura. 

{L} E a interação com o restante do mercado, como pode ser?

Carolina Alcoforado – Na compreensão do ecossistema do livro, tentamos trabalhar mais próximos. Desenvolver campanhas específicas com livrarias, entender o que é de cada público, poder incentivá-los também a crescer junto. Procurar ver como o mercado está mudando, como está se comportando, para fazer o nosso modelo de negócio sempre atual. 

{L} Qual a sua visão sobre a participação dos autores e ilustradores no processo de engajamento dos novos leitores? Quando esses profissionais vão às escolas, o efeito é bem interessante.

Carolina Alcoforado – Sim. Estamos tentando resgatar mais a participação dos autores. Autores com presença na livraria, e isso também faz diferença para os leitores. Queremos fomentar os eventos de lançamento, acionando as mídias digitais, mas também fazendo os eventos físicos, para que gere conexão. Você gosta mais daquilo que você conhece, normal isso. E os autores que são mais fortes na parte escolar. Os parceiros que distribuem nossos livros podem informar qual o livro que tem maior apelo em uma região. Aí podemos levar o autor. O autor adora. É a hora que ele vê o trabalho dele na prática, a criança faz pergunta, se interessa. A gente quer usar mais a Casa Melhoramentos para isso. No ano passado, fizemos um evento para funcionários, familiares e para a comunidade da região. Trouxemos um autor que interagiu com os convidados. Essa interação é importante. A conexão entre o leitor e o autor e o ilustrador é muito relevante. A gente precisa de proximidade, reduzir esse gap. Os leitores às vezes querem conhecer quem está por trás dos livros, mais do que a história em si. Saber quem está por trás dá um rosto para aquele conteúdo.

{L} Como enxerga esse momento do mercado editorial no Brasil? A inovação está ou não nesse mercado, hoje?

Carolina Alcoforado – A gente tem muito chão pela frente, ainda. A queda drástica na Pesquisa Retratos da Leitura é avassaladora. Principalmente pensando no que isso representa. Muito menos sobre venda de livro. O nosso papel no mercado editorial é estimular a leitura. Para isso, precisa haver uma organização muito mais forte. Alianças funcionam bem. Várias empresas no segmento mostram resistência, às vezes, a uma nova tecnologia. Concordo que a tecnologia pela tecnologia não funciona, não tem propósito. Não estamos falando em produzir livros com inteligência artificial. Não tem a sensibilidade necessária, o mesmo refinamento que um autor pode ter, que um ilustrador pode ter. A curadoria fica incontrolável com aquilo, você perde muita qualidade. Mas a tecnologia pode dar acessibilidade – esse é um ponto. Acessibilidade de custo, de estar em qualquer momento e pegar um livro para ler. Mas a gente vê competição com outros mercados que antes não competiam com o livro. No mercado de entretenimento, o livro briga hoje com o vídeo, com o Youtube, com a rede social. E é uma batalha inglória. Uma concorrência pelo tempo. Necessitamos usar novos artifícios para atrair, agregar. 

{L} E quanto mais o mercado estiver unido, melhor. 

Carolina Alcoforado – Se o mercado editorial se unir um pouco mais, não tanto sobre o que a gente rechaça, mas sobre o que podemos construir juntos. Tem muita coisa que não é óbvia, que ainda é discutível. Se falamos em produto digital na escola, há gente totalmente contra, pela proibição de todo uso de telas na escola. Concordo com a proibição de mídias sociais dentro da sala de aula. Quando a gente olha o relatório do Pisa, as escolas que usaram o digital como algo útil, vamos dizer assim, para a educação, como uma ferramenta, viram bons resultados. A tecnologia é uma ferramenta, isso é que é importante saber. A tecnologia não substitui o professor, não substitui um conteúdo de qualidade. Como se usa essa ferramenta é que dá o resultado bom ou ruim. Se o celular foi usado em sala de aula para olhar mídia social, o desempenho das crianças foi pior. A partir do momento que ferramentas adequadas engajavam essas crianças, elas tinham um desempenho superior a um currículo tradicional. Essas coisas levam tempo, são muitas discussões, não há panaceia, solução única. Mas podemos evoluir para o consenso, e direcionar esse caminho. A briga não é de uma editora, nem de uma pessoa do segmento. Temos que transformar isso numa causa independente do conteúdo. 

Leia também

Agenda

Confira a programação de lançamentos, feiras, festivais, cursos, palestras e debates em todo o Brasil.

Newsletter

Assine nossa newsletter para ficar por dentro dos lançamentos de livros e novidades do mercado editorial.

Ao cadastrar em nossas newsletter, você concorda com nossa Política de Privacidade. Saiba mais

Colunistas

Veja os artigos mais recentes dos nossos colunistas.