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Trump Bump - Ilustração: Yellow

Donald Trump: Subgênero literário

Por Yellow

Para uma pessoa que, notoriamente, não lê livros, Donald Trump tem sido um grande incentivador na produção e promoção de livros sobre política e negócios. Desde o anúncio da sua segunda vitória, no início deste mês, por exemplo, cresceu a procura por livros distópicos, como O conto da aia, 1984 e Fahrenheit 451. Mas houve, nos últimos anos, o surgimento e crescimento de um grande nicho de publicações sobre Trump, sua inesperada e turbulenta ascensão política e as consequências da mesma para o futuro da democracia, diplomacia e economia em todo o mundo. O fenômeno foi chamado, desde 2020, pelo New York Times, de Trump Bump.

Observando que grande parte dessa produção literária tem origem nos Estados Unidos, o fenômeno é também um exemplo de como o país e o sistema capitalista conseguem, rapidamente, transformar interesse em demanda, e demanda em produto. Muitos desses títulos encontram seu caminho para a publicação em outros países, chegando, inclusive, às prateleiras do Brasil. 

Uma enxurrada de títulos chega às livrarias todas as semanas, com temas que oscilam, da cega devoção, aos mais sensatos relatos jornalísticos. Com a confirmação da nova vitória do ex-apresentador de TV, tudo indica que este ainda é um mercado em expansão. Eis algumas dezenas de exemplos (das centenas ou milhares) de livros no subgênero literário “Trump”.

Há, sobre o auto-declarado magnata, não apenas livros, mas séries de livros. O próprio assina (em colaboração com coautores, que, na verdade, são ghostwriters) vários deles: A arte da negociação (1987, Citatel), Todo mundo odeia um vencedor (1990, Citatel), Pense Grande (2007, Ediouro), Pense como um bilionário (2020, Citatel), Grande outra vez: Como recuperar a América debilitada (2015, Citatel). Para fechar a lista, há o recém-lançado Save America (setembro de 2024, Winning Team Publishing), que conta com a icônica foto de Evan Vucci, da Associated Press, do momento do atentado que sofreu no dia 13 de julho de 2024.

Mas há também séries sobre seus anos na Casa Branca, como a de Bob Woodward, duas vezes ganhador do prêmio Pulitzer: Medo (2018, Todavia), Raiva (2021, Todavia), e, em 2022 (após reclamações do próprio Trump, de que suas falas foram usadas fora de contexto), The Trump tapes, audiobook que contém todas as gravações de entrevistas que o autor fez com o político. Woodward continua a registrar seu trabalho de correspondente do Washington Post na Casa Branca, iniciado em 1974, como a publicação de Todos os homens do presidente, que expôs o escândalo de Watergate no governo Nixon. Seu último livro é War (outubro de 2024, Simon & Schuster), sobre a transição de poder entre Trump e Biden, e os conflitos na Ucrânia e em Gaza.

Outro correspondente da Casa Branca que lançou mais de um livro foi Michael Wolff. Ele publicou Fogo e fúria (2018, Objetiva), O cerco (2018, Objetiva) e Landslide (2021, The Bridge Street Press). O primeiro é o que traz mais revelações de bastidores – de que Trump e seus assessores mais diretos nunca acreditaram que ganhariam a eleição, de que ninguém entende o relacionamento de Trump com a mulher Melania, e um tutorial, da filha Ivanka, sobre o penteado peculiar de seu cabelo.

Para entender a ascensão de Donald Trump, um bom livro recente é Lucky Loser (2024, Penguin), uma investigação incisiva dos jornalistas ganhadores do Pulitzer, Russ Buettner e Susanne Craig, que desmonta o mito do “bilionário autodidata” que Donald J. Trump construiu ao longo de sua vida. Através de duas décadas de análise de documentos confidenciais, incluindo declarações fiscais que Trump tentou ocultar, registros comerciais e entrevistas com seus associados, o livro traça um retrato de como o ex-presidente usou artifícios, mentiras e o legado financeiro de seu pai para criar uma imagem pública de sucesso. Da sua ascensão inicial como herdeiro de mais de 500 milhões de dólares, ao seu padrão de desperdiçar fortunas em negócios fracassados e ser salvo por eventos inesperados, a obra explora as contradições de um homem que priorizava a aparência sobre a substância.

Ganha volume o sub-subgênero dos delatores, pessoas que estiveram envolvidas com o primeiro mandato da administração Trump, e lançaram livros bombásticos com revelações:

  • A Warning, por Anonymous (Miles Taylor – ex-chefe de gabinete do Departamento de Segurança Interna), explora as tensões no governo Trump, incluindo debates internos sobre invocar a 25ª Emenda para removê-lo do cargo, e revela tentativas de renúncia em massa como forma de protesto. 
  • Disloyal: A Memoir, por Michael Cohen, ex-advogado pessoal de Trump, que relata os bastidores da administração, alegando que Trump buscava controlar o sistema judicial para garantir um possível autoindulto em caso de perda eleitoral. 
  • Speaking for Myself, de Sarah Huckabee Sanders, ex-secretária de imprensa, onde compartilha sua experiência na Casa Branca, destacando momentos tensos com a mídia e anedotas inusitadas, como a interação de Trump com Kim Jong-un.
  • I’ll Take Your Questions Now: What I Saw at the Trump White House, de Stephanie Grisham
  • Compromised, de Peter Strzok, ex-agente do FBI, que descreve as investigações sobre interferência russa nas eleições de 2016 e levanta a hipótese de Moscou ter influenciado Trump como um “candidato manchuriano.” 
  • Melania and Me, de Stephanie Winston Wolkoff, ex-amiga próxima de Melania Trump, que revela os bastidores de sua amizade e detalha tensões relacionadas à organização da posse presidencial. 
  • The Room Where it Happened, de John Bolton, ex-assessor de segurança nacional, que descreve Trump como errático e desinformado, oferecendo um retrato caótico da administração e alegando que o presidente priorizava sua reeleição acima de tudo. 
  • A Higher Loyalty, de James Comey, ex-diretor do FBI, que compara a administração Trump a uma organização mafiosa, com lealdades absolutas ao presidente e um desprezo pela verdade. 
  • The Threat, de Andrew McCabe, ex-vice-diretor do FBI, relata os desafios enfrentados após a eleição de Trump, incluindo ataques diretos do presidente e o impacto na democracia americana. 
  • Trump: The Blue-Collar President, de Anthony Scaramucci, que teve uma curta passagem como diretor de comunicações, e reflete sobre o apelo de Trump à classe trabalhadora e os bastidores de sua demissão abrupta. 
  • Unhinged, de Omarosa Manigault Newman, ex-assessora e participante do  programa de TV The Apprentice, que descreve Trump como alguém com comportamentos erráticos e questiona sua capacidade mental. 
  • The Briefing, de Sean Spicer, ex-secretário de imprensa, que  relata suas experiências no governo, incluindo a pressão de Trump para defender a falsa alegação sobre o público recorde na posse presidencial. 

Outra prateleira pode ser dedicada aos livros escritos por parentes do ex-apresentador de TV:

All in the family: The Trumps and how we got this way (2024, Gallery Books), foi escrito por Fred C. Trump III, sobrinho do ex/futuro presidente, cujo pai era alcoólatra e piloto de aviões e morreu em 1981. Nele, revela o histórico de demência e Alzheimer da família Trump, e argumenta que o tio pode estar apresentando os primeiros sinais de declínio cognitivo, além de falar de processos judiciais dentro da família pelo direito à herança da empresa imobiliária de seu avô.

Minúcias da história familiar disfuncional e tóxica também são exploradas em Who could ever love you (2024, St. Martin Press), escrito pela irmã de Fred III, Mary Trump. Previamente, ela já havia lançado Too Much and Never Enough: How My Family Created the World’s Most Dangerous Man (2020, Simon & Schuster).

Além de todos esses, o livro de memórias da ex-primeira-dama Melania Trump, intitulado Melania (2024, Skyhorse) , está no topo da lista dos mais vendidos em Não-Ficção do New York Times, neste momento. (Existe um sub-sub-gênero de livros caça-níqueis sobre ela, também – uma figura cuja presença na Casa Branca é quase tão inexplicável quanto a do seu marido.)

E existe, é claro, uma infinidade de títulos de apoiadores e apologistas. A perseguição a Trump: E a ameaça às liberdades civis, ao devido processo legal e ao Estado de Direito, de Alan Dershowitz (2023, LVM), tem como objetivo explicar a lógica por trás da defesa de Trump, nos inúmeros processos aos quais respondeu desde que deixou a presidência, em 2021.

Produzido a toque de caixa, já existe até mesmo um livro investigativo sobre as duas tentativas de assassinato cometidas contra o político durante a campanha deste ano. Lançado em outubro, Bulletproof: The Truth about the Assassination Attempts on Donald Trump (Skyhorse Publishing), de Jack Posobiec e Joshua Lisec, tenta explicar os eventos de 13 de julho e 15 de setembro e conta com um prólogo do próprio alvo (jogando no lixo qualquer pressuposição de imparcialidade, por parte dos autores).


Uma perspectiva mais ampla

Para terminarmos com uma perspectiva mais ampla sobre as temporadas de Trump no Salão Oval, é salutar voltarmos nossa atenção a livros que tratam das questões mais amplas que envolvem o cenário atual da política americana e do mundo.

Como as democracias morrem (2018), de Steven Levitsky & Daniel Ziblatt (ed. Zahar), apesar do título bombástico, refere-se apenas à democracia americana. A obra compara a primeira eleição de Trump a outros momentos da história ocidental em que houveram violações à democracia, como a eleição de George W. Bush em 2000, as ditaduras militares da América Latina no fim do Séc. XX, e a ascensão de Hitler e Mussolini. O segundo livro, Como salvar a democracia (2023), tem, na versão brasileira, um título clickbait, já que o original é “Tyranny of the Minority”. É, na verdade, um estudo aprofundado de tudo o que há de errado com o sistema eleitoral americano, cujas características bizantinas confundem a todo o resto do mundo, mas que na verdade foi projetado exclusivamente para manter nas mãos de uma minoria a tomada de decisões políticas. Nele, os autores tentam apresentar uma proposta de fortalecimento das instituições governamentais, para garantir a transição dos Estados Unidos a uma democracia multirracial, que já foi conseguida por outros países, mas, que, lá, enfrenta uma reação autoritária que ameaça a própria democracia. Talvez seja tarde demais.

Uma crítica à política identitária, que parece ter dominado o discurso da esquerda mundial (e foi recentemente criticada por Marilena Chauí), pode ser encontrada em A esquerda não é woke (2023, Âyiné), de Susan Neiman. Apontado pela autora (branca, filósofa e autoproclamada “herdeira do iluminismo”) como culpado por uma fragmentação no campo progressista, o identitarismo é pintado, neste livro, com tons autoritários e reacionários, que destroem o princípio da igualdade, essencial à esquerda. Uma opinião polêmica, vinda de uma origem questionável, mas que pode servir para bater o centro de uma discussão necessária ao campo progressista.

Para entendermos um pouco como Trump recebeu tantos votos das parcelas mais pobres e negligenciadas da população americana, incluindo dos imigrantes, que foram vilanizados sem o menor pudor em suas campanhas, podemos começar fazendo uma analogia com um fenômeno local, analisado por um brasileiro. Em O Pobre de Direita (2024, Civilização Brasileira), Jessé Souza oferece uma análise inédita sobre o apoio popular à extrema direita no Brasil, desvendando as raízes racistas que impulsionaram essa mudança política a partir de 2018. Focado nos grupos do branco pobre e do negro evangélico, o sociólogo demonstra como demandas racistas e influências religiosas têm moldado o engajamento das classes empobrecidas, muitas vezes em detrimento de seus próprios direitos e benefícios. 

Yellow é Luiz Eduardo Cerquinho Cajueiro, recifense, designer, programador, músico, Mestre em Ciências da Linguagem e parte da equipe Livronews.

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