Uma ação para doar 100 mil livros causou polêmica no mercado editorial, dias atrás. Por pelo menos dois motivos principais. Primeiro, pela autoria da promoção: o TikTok é um dos mais populares aplicativos da vida contemporânea, e sua vertente BookTok funciona como grande impulsionadora de vendas para o mercado editorial, através de depoimentos espontâneos ou pagos de influenciadores que atingem milhares de pessoas. Numa época em que a divulgação de livros se apresenta como um dos gargalos para o mercado, o TikTok literário não pode ser desprezado, nem por editoras, nem por quem escreve e quer ver sua obra comentada e chegando a mais leitores.
O segundo motivo do impacto da doação maciça que lotou uma das entradas do Conjunto Nacional, em São Paulo, foi o modo concebido para executar a ideia. A instalação de uma “livraria provisória”, como chamada pelos promotores, em endereço nobre da capital paulista, onde já funcionou a Livraria Cultura, e está a Livraria Drummond, a poucos metros de distância, despertou a indignação dos livreiros. A comparação com a prática de venda de livros com altos descontos, seja pela Amazon ou outros sites, seja por eventos de grande público, chegou ao ápice com a entrega de exemplares gratuitamente pela gigante da Internet.
Ainda que a doação do TikTok tenha sido questionável em mais de um ponto, desde a escolha dos poucos títulos até a distribuição que gerou filas de até dez horas, segundo depoimentos de quem esteve lá, a ação de marketing serviu para mostrar que existem leitores à espera de livros num país que, de acordo com a Pesquisa Retratos da Leitura, lê pouco, e perdeu 11 milhões de leitores nos últimos dez anos. Mas para encontrar quem leia, ampliar o acesso à leitura, garantir a bibliodiversidade e a sustentabilidade do ecossistema do livro, a valorização da livraria é essencial. O Brasil sofre em diversas áreas pela baixa cultura literária, em uma longa história de consequências negativas que impacta a educação, a formação profissional e a cidadania em todo o país, com déficit de bibliotecas e livrarias na maioria dos municípios brasileiros.
Enxergar o valor indispensável das livrarias para o amadurecimento dos indivíduos, desde a infância, e a qualidade de vida em uma nação tão desigual, não significa demonizar plataformas virtuais de apoio à causa da leitura e ao mercado editorial. Na cultura digital em que estamos inseridos, o Livronews reconhece que toda forma de referência e impulso à leitura é válida. O TikTok poderia ter feito uma ação colaborativa com as livrarias, o que poderá ser levado em conta numa próxima ocasião . Enquanto isso, o mercado editorial como um todo segue buscando o melhor modelo de negócios para a integridade do ecossistema, especialmente das livrarias, numa época em que a força da imagem e da informação visual que desliza na ponta dos dedos e das sinapses, concorre agressivamente com o tempo dedicado da atenção que a leitura de um livro requer.
Para um país de mais leitores, precisamos de mais livrarias espalhadas pelas cidades. Eis um propósito que deve nos unir, dentro e fora das telas que magnetizam o nosso olhar – inclusive para a leitura, como agora.