Por Fábio Lucas
Realista ou romântica, matemática ou livre, rimada ou desalinhada. A poesia se atreve a ser o que somos, para além da curva da estrada, na imagem de Fernando Pessoa. Brilha no alumbramento dos olhos da amada, cheios de mistério, naufrágios e esperança, à maneira de Vinicius de Moraes. Embalando o nosso caminho de alegria e de tristeza, como ensina Ferreira Gullar, já “que a vida só consome o que a alimenta”. Cantarolando ao vento a pulsão de seguir vivendo, caetaneamente… Por que não?
Para celebrar o Dia Mundial da Poesia, buscamos os olhares poéticos de Dirceu Villa, Edmilson Caminha, Peron Rios, Monica Carvalho, Silva Barbosa, Bianca Monteiro Garcia e Madu Sansil. Que trazem ângulos variados da poesia que nos solicita, reúne, acompanha, provoca, recria.
Para a livreira e psicóloga Monica Carvalho, da Livraria da Tarde, o olhar poético é provocativo: “A poesia tem uma importância enorme na minha vida. Ela me ajuda a olhar o mundo com outras lentes, me lembra que a beleza está nas pequenas coisas ou gestos, mas ela também me provoca, me ensina e faz com que eu seja melhor leitora. É à poesia que eu recorro quando estou muito feliz ou quando está difícil lidar com a realidade”.
Vencedora do Prêmio Jabuti 2024 na categoria de escritora estreante em poesia, Bianca Monteiro Garcia relata: “Por muito tempo, a poesia me desafiou com meus processos de luto e minhas questões de saúde mental, não como uma forma de escrita terapêutica, mas como um espelho. Hoje, percebo que ela atravessa tudo o que faço, como se estivesse sempre ao pé do meu ouvido e na ponta da minha cabeceira”.
Com lançamento de seu livro de estreia, “Às vezes esqueço como respirar”, publicação da Mondru, agendado para sexta, 28, no Recife, Madu Sansil junta o fazer artístico ao contínuo do real: “A poesia, para mim, é obra do acaso, estando em tudo. Por isso, fazer poesia é uma espécie de criação e recriação do mundo”.
Autora de “Habitadores”, publicado pela Patuá, Renata Ettinger mantém o podcast Trago Poemas, e afirma: “A poesia sempre faz parte do meu dia, porque faz parte de quem sou. Hoje, não consigo separar quando e onde a poesia vai chegar. Ela chega e ocupa. E eu me ocupo dela. Pode ser um poema lido, escrito, falado. Um verso no meio da conversa. Ou um trago, que é o poema compartilhado. Acho que a poesia é minha guia”.
Leia mais depoimentos abaixo – e depois, encontre uma poesia e faça um brinde ao dia.
Um pedido antigo
“A poesia primeiro pede para depois oferecer. E é um pedido antigo, perigoso e inumano, um pedido anterior à sociedade: o pedido de que voltemos os olhos para dentro, num mergulho escuro em direção à luz interna. Pede que nos banhemos de sua arte — porque é uma arte —, que nos afastemos do tempo atropelado do capital e da insensibilidade replicadora da máquina. O que daí nos oferece é tudo: visão renovada do mundo, precisão no pensar e no dizer, e um tempo depurado, verde como a natureza. E isso nos tornará estranhos entre o(a)s que nos amam e o(a)s que nos detestam, e nos isolará. Isolamento que talvez ofereça, daí ao mundo, uma nova oportunidade de se reinventar sempre vivo, e melhor.” (Dirceu Villa, poeta, tradutor e ensaísta.)
Estar no mundo
“Em memória do admirável drummondiano Affonso Romano de Sant’Anna, recentemente falecido, direi que a poesia de Drummond foi uma bela e profunda reflexão sobre o nosso estar no mundo. Não por acaso, um dos seus grandes livros chama-se “Sentimento do mundo”. Como bem percebeu Affonso, o coração do poeta, sentido no começo como maior do que o mundo, veio a ser, depois, menor do que o mundo, para se tornar, enfim, igual ao mundo, em sábio e luminoso equilíbrio poético.No Dia Mundial da Poesia, nossa homenagem a Drummond, pela obra que faz o mundo melhor e a vida mais bela.” (Edmilson Caminha, jornalista e escritor.)
A marca humana
“Em suas Leaves of Grass (Folhas de Relva), o poeta norte-americano Walt Whitmanentoa: “I sound my barbaric yawp over the roofs of the world” (“Solto o meu grito bárbaro sobre os telhados do mundo”). O adjetivo “bárbaro” não poderia ser mais preciso, já que remete a um caráter da linguagem – uma linguagem ainda não assimilada pelo estrangeiro. A poesia, em alguma medida sempre estrangeira, apenas parte da epiderme de um lugar, mas ensina o que, sob a aparência de familiaridade, resta profundamente estranho a todos nós, independente da latitude em que, circunstancialmente nos encontramos. Sendo criação até no étimo, a poesia se dilata, cria fendas na percepção comum e, para além das terras e dos tempos em que germinou, nos reúne a todos, frutificando onde houver o húmus do desejo e da insatisfação; ou seja, onde existir a própria marca humana.” (Peron Rios, escritor, professor e crítico literário, membro da Academia Pernambucana de Letras.)
Cordel: oralidade e cultura
“Acredito que o principal suporte onde o cordel é publicado, os folhetos, ajudam na ampliação de acesso à leitura pela facilidade de distribuição e baixo custo de produção. O que tem seu ônus pois infelizmente a qualidade da poesia de cordel ainda é associada, por muitos, à fragilidade desse suporte tão tradicional. Mas defendo que o mérito está no próprio cordel principalmente pela identificação da parte de quem lê. Tanto pela forma com as rimas, o ritmo bem cadenciado e por estar muito associado à oralidade, como também pelo conteúdo que pode abordar infinitos temas e retratando, muitas vezes, o cotidiano da pessoa comum. E isso não apenas no Nordeste pois o cordel está presente no Brasil inteiro refletindo tanto a oralidade quanto a cultura onde ele está inserido. E também por parecer simples, por ser de rápida assimilação ao mesmo tempo em que é extremamente erudito e não subestima o leitor. O cordel é uma verdadeira joia da poesia brasileira e quem o conhece de verdade, se apaixona”. (Silva Barbosa, escritor, cordelista, editor da Arrelique.)