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Isabela Noronha: “Eu ouvi muito o texto, ouvi muito essas duas mulheres para poder escrever Carlabê”

Isabela Noronha lançou seu segundo romance “Carlabê” (Companhia das Letras) em 2024. A obra apresenta uma narrativa que desafia o leitor, ao trazer várias vozes, em especial, as das personagens Carlabê e Saramara. O ponto de partida é o desaparecimento de Carlabê. Sem notícias da amiga há uma semana, Saramara é “entrevistada” por um homem enquanto circula pelo bairro de Santa Cecília. O leitor tem acesso a transcrição desse diálogo, constantemente interrompido pela voz da cidade, que parece falar também. Além disso, Carlabê deixou, em seu apartamento, um caderno onde escrevia cartas e, através delas, sua voz se faz presente na narrativa.

Com uma trama que vai se desenvolvendo através dessas vozes e suas lacunas, Isabela Noronha desenha os meandros de uma amizade e a hostilidade de uma cidade em constante expansão. “Desde o início, eu já tinha pensado nessa estrutura que intercalava a Saramara, a fala dela, com as cartas da Carlabê. E a cidade ali na conversa, se intrometendo na conversa da Saramara com esse interlocutor, pensando sempre na cidade como esse coletivo de subjetividades, se é que é possível a gente pensar num coletivo de subjetividades”, comentou a autora nesta entrevista ao Livronews. 

Além de “Carlabê”, Isabela Noronha, jornalista e mestre em escrita criativa pela Universidade Brunel, na Inglaterra,  é autora também de “Resta um”, romance publicado pela Companhia das Letras em 2015 e vencedor do prêmio da agência literária Curtis Brown e do livro infantil “Adeus é para super-heróis”, vencedor do Prêmio Barco a Vapor de 2013.


{L} Como foi o processo de criação deste seu segundo romance?

Isabela Noronha Eu trabalhei mais de seis anos no “Carlabê”. O  livro começou como um conto. Eu fiz esse conto a partir de uma provocação que a Noemi Jaffe fez em um coletivo literário do qual eu fazia parte. A Noemi liderava esse coletivo e nos dava provocações para a gente poder escrever textos. Uma dessas provocações era uma personagem que fazia listas. E Carlabê nasceu como essa pessoa que fazia listas das coisas que ela matava. Mas ela não é uma assassina, não é uma assassina de nascença. Ela matava coisas pequenas, matava insetos ou matava coisas abstratas, matava uma curiosidade, uma vontade. Ela ia fazendo essas listas ao longo da vida. A personagem ficou comigo, eu não consegui me despedir dela quando eu senti que o conto tinha um desfecho. Fiquei com essa voz na cabeça. Na verdade, procurando a voz dela, porque esse conto era narrado em primeira pessoa, mas aquela voz não era da Carlabê, não dessa Carlabê. À medida que fui trabalhando a personagem, fui entendendo que não era assim que ela falava. Aquele jeito de se comunicar estava respondendo a questões externas, não às questões internas dela, da personagem. E isso foi um dos mergulhos mais gratificantes durante o processo de criação desse livro, foi encontrar a voz dela, da Carlabê. Levei bastante tempo, fiz várias versões do que poderia ser a Carlabê falando, Carlabê escrevendo, até chegar no que de fato saiu no livro.

{L} Em “Resta um”, seu primeiro romance, também existe uma personagem desaparecida. Carlabê também está desaparecida. Essa ideia de desaparecimento está nos dois romances. Você encara isso de maneira distinta em cada um deles?

Isabela Noronha Eu fico muito feliz com essa pergunta, porque só me dei conta disso, que os dois livros têm um desaparecimento, depois. Então, essa foi uma descoberta que veio depois que eu já estava trabalhando no livro. E também acho importante dizer que Carlabê não partia daí inicialmente. São dois desaparecimentos diferentes. Carlabê está sumida há uma semana e eu acho que Saramara tem uma ideia melhor de onde ela está, do que aconteceu com Carlabê, do que a Lúcia, que é a mãe da Amélia, a menina que desaparece no “Resta 1”. Eu tive essa surpresa de me ver escrevendo de novo sobre mulheres que não estão. A Amélia é uma menina, mas, enfim, uma mulher. Isso me colocou para pensar, para refletir por que a minha imaginação vai para esse lugar. Ou talvez isso tenha a ver com as duas histórias se passarem em São Paulo, tenha a ver com o tipo de situações às quais uma mulher está sujeita, numa grande cidade ou no mundo que a gente vive. Então, eu fui muito por aí.

{L} O livro tem uma estrutura desafiadora. Frequências e vozes diferentes. Podes falar um pouco sobre isso. Como essas narrativas vão se intercalando.

Isabela Noronha Nesse sentido, foi muito importante para mim ler Lincoln no limbo, do  George Saunders. Ali tem uma liberdade formal que me encantou, que encontrou muito eco dentro de mim no que eu imaginava, no que eu intuía como a voz da Carlabê. Então, quando eu cheguei na voz da Carlabê, eu comecei a contar a história dela e entendi que eu precisava de uma outra personagem que ajudasse Carlabê a contar essa história. E essa outra personagem era a Saramara, que veio chegando depois, mas como ela é muito espalhafatosa, tem uma personalidade muito extravagante, ela foi chegando e foi se apossando, foi começando livre e foi costurando o livro. Foi assim que comecei a escrever, com Saramara e Carlabê. E a partir de uma primeira versão que eu apresentei para o meu grupo de leitores queridos do meu coletivo literário, eu tive um retorno, eles me faziam perguntas que eu ainda não sabia responder, e, olhando para o texto, fui formatando, eu fui chegando num lugar, entendendo para onde ele estava me levando. Eu ouvi muito o texto, ouvi muito essas duas mulheres para poder escrever esse livro.

{L} Qual o papel da cidade no livro. Podemos encará-la como um personagem que também tem voz e fala com o leitor?

Isabela Noronha A estrutura do livro, que você diz que é desafiadora, foi nascendo como ela está, aos poucos. Então, nas versões mais iniciais, eu ainda não tinha essa voz que, para mim, é a voz da cidade, que está ali entre colchetes, pensando em como a cidade participa da vida da gente, como ela se impõe, como que ela participa dos nossos diálogos, se é de uma maneira agradável, se é de uma maneira intrusiva. E isso veio depois, quando, pensando na história, fui percebendo que o livro é uma transcrição e, sendo uma transcrição, isso é um aspecto que eu sinto que eu preciso respeitar. Então, nesse sentido, houve uma busca por uma voz para essa cidade que parecesse tão autêntica quanto a voz da própria Carlabê ou da Saramara. Eu não quis que a cidade se calasse, assim como não quis e lutei para que Carlabê não se calasse no livro — Saramara não se cala mesmo. Então, não deixa de ser três vozes femininas, porque a gente se refere à cidade no feminino e ela entra dessa maneira. Eu gosto de pensar assim, que causa uma estranheza, e gosto também de pensar que o leitor, a partir do momento que ele entende essa linguagem, ele segue a leitura com fluidez. Mas essa participação, vamos dizer assim, da cidade, ela veio depois. Desde o início, eu já tinha pensado nessa estrutura que intercalava a Saramara, a fala dela, com as cartas da Carlabê. E a cidade ali na conversa, se intrometendo na conversa da Saramara com esse interlocutor, pensando sempre na cidade como esse coletivo de subjetividades, se é que é possível a gente pensar num coletivo de subjetividades.


Título: Carlabê
Autora: Isabela Noronha
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 200

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