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Izabella Cristo venceu o Prêmio Caminhos. Foto: Divulgação

Izabella Cristo: uma porta literária se abre

Escritora, vencedora do Prêmio Caminhos, fala sobre o romance “Mãezinha”, que será lançado em maio de 2025, e comenta o movimento de expansão da diversidade na literatura nacional

Por Fábio Lucas

Vencedora do Prêmio Caminhos de Literatura, Izabella Cristo estará em Olinda neste fim de semana, participando da Festa Internacional Literária de Pernambuco – Fliporto,
juntamente com o criador do prêmio, Henrique Rodrigues, e uma das juradas, Jéssica Balbino, em conversa sobre a importância dos prêmios literários. O encontro será no
domingo, a partir das 14h30, no Mercado Eufrásio Barbosa.

A escritora paraense começa em solo pernambucano a trajetória de divulgação do Caminhos e do romance “Mãezinha”, que será publicado pela Dublinense no ano que
vem, e lançado no Festival Literário de Poços de Caldas – Flipoços, em Minas Gerais, na edição de 20 anos do evento, que acontece em maio.

Nesta entrevista ao Livronews, a autora diz que um movimento de expansão da diversidade vem se sobrepondo à crise no mercado editorial brasileiro. “É um movimento vivo, ainda em processo, estamos no meio do furacão de transição turbinado por uma revolução tecnológica, que mudou absolutamente todas as formas de nos relacionamos entre nós e com o mundo. Mudou nossa forma de ler e de consumir livros”, observa Izabella Cristo.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

O Prêmio Caminhos está na primeira edição, e você é a primeira vencedora. Como foi a decisão de se inscrever?

Desde que desbloqueei minha escrita, em 2018, enviava textos e coletâneas para concursos, era uma forma de testar minha escrita, manter certo estímulo e me disciplinar a cumprir prazos, já que eu escrevia solitária, completamente fora da minha rotina de trabalho. Quando terminei a pós-graduação, reuni as duas análises do romance, revisei e reescrevi. Depois fiquei zanzando com o manuscrito por aí. Me inscrevi em concursos grandes, outros menores, entreguei uma boneca nas mãos de um editor e até consegui colocar o livro na fila de uma grande editora. Não obtive nenhuma resposta em um ano. Nesse meio tempo, cheguei a pagar duas revisões, uma técnica, com uma neonatologista e outra análise crítica, essa última um tanto frustrante. Conversei com colegas e uma grande amiga e professora que viu a análise me incentivou a não desistir e procurar segunda opinião. Não cheguei mais a mexer no manuscrito, fiquei paralisada. Combinei de fazer mais uma análise crítica com revisão, que demoraria, a profissional era bastante concorrida. Na mesma época, vi a proposta de Henrique e lembro de ter pensado em como o Caminhos talvez combinasse com o romance. Foi o último concurso que me inscrevi. Retirei as imagens e a única coisa que fiz de diferente foi mudar o título, em cima da hora. Lembro de pensar: “Talvez alguma coisa mude”. E mudou.

E o que sentiu ao saber do resultado?

No dia da notícia, havia acabado de desligar uma ligação desagradável do trabalho, portas se fecharam por motivos maiores que eu. Estava triste e preocupada com o futuro. Receber aquela notícia foi, então, uma emoção indescritível, comecei a chorar na hora. Não acreditei a princípio, parecia um sonho, um roteiro de cinema. O universo me fechava uma porta na medicina e imediatamente me abria uma porta literária, porta a qual eu havia sonhado e trabalhado tanto nos últimos 5 anos. Me abria um Caminho. A sensação foi de conquista, de que era para ser.

A participação na Fliporto, em Olinda, será o primeiro passo da caminhada de divulgação do prêmio e do livro, que ainda está em processo de publicação. Qual a sua expectativa, a partir de agora?

Ser convidada por um prêmio, poder sentar em uma mesa literária e conversar sobre literatura é uma grande honra. Já estive em feiras literárias como espectadora, mas poder fazer parte da composição, divulgar o livro e conhecer pessoas e lugares, fazer trocas através da literatura é um privilégio. Espero não me esquecer disso. Minha expectativa é de que o livro alcance seus leitores. Sempre imaginei o “Mãezinha” com distribuição, com alcance, por ter um potencial de conversar com muita gente, especialmente mulheres e mães em condição de fragilidade. Espero sim, fazer parte de muitas mesas e rodas de conversas e trocas, aprendizados e questões. Com o apoio de Henrique, acredito sim, que conseguiremos. Que ele ganhe asas e voe, se assim for o
seu caminho.


Começar por Pernambuco tem algum significado especial pra você?

Iniciar esta trajetória por Pernambuco tem sim um quê especial. Terra de Miró, que é uma inspiração na minha escrita, de Manuel Bandeira, João Cabral, grande Severino, e estado berço carinhoso de Clarice por tantos anos. Pernambuco tem um bom tempero literário. Conhecer Recife e Olinda através da literatura é belo, estou feliz pela oportunidade.

O Prêmio Caminhos está inserido em um mercado editorial em expansão na diversidade, mas com dificuldades tanto para quem está começando, quanto para quem atua há algum tempo. Qual a sua visão, e sua experiência, como escritora, agora com uma obra que poderá ser reconhecida nacionalmente?

O mercado editorial enfrenta, sim, uma crise, embora eu não acredite que seja exclusividade da literatura, a fragilidade toca diversas áreas da sociedade atualmente. A literatura é apenas um fragmento. Porém, apesar da crise, o movimento de expansão da diversidade, da tão desejada escuta ativa e acolhimento de vozes, muitas vezes excluídas e marginalizadas na história, é o que vem cativando novos escritores, e, portanto, novos leitores. É um movimento vivo, ainda em processo, estamos no meio do furacão de transição turbinado por uma revolução tecnológica, que mudou absolutamente todas as formas de nos relacionamos entre nós e com o mundo. Mudou nossa forma de ler e de consumir livros. Talvez tenhamos perdido o número de compradores de livros, mas não acredito que perdemos por completo e para sempre reais leitores. Existe uma demanda em potencial, reprimida. As pessoas em crise, mais do que nunca, desejam o saber, desejam escrever, o conhecimento, a descoberta, desejam literatura, mas andam apressadas demais e em luto social. Não acho que o tempo do livro esteja acabando. Pelo contrário. Acho que é tempo exatamente de se reafirmar o valor e o poder que o livro tem na vida das pessoas, sua concretude. Tempo de se renovar as amarras clássicas, definir o livro como uma estrutura necessária para as ideias inquisitórias e modificadoras da sociedade, a sobrevivência humana, apesar de qualquer crise.

Você vai participar na Fliporto de um debate sobre a importância dos prêmios literários. Como leitora, como observa o destaque conferido a essas obras?

As formas de se consumir literatura estão se transformando. Impostas ou não, desejadas ou não, calculadas ou aleatórias, estão de fato aí. Como leitora, acredito que prêmios dão um certo horizonte, um pé no chão para o que acontece na literatura contemporânea num mundo estafado de informações. Mas não absolutamente. Prêmios são envoltos em incógnitas e mistérios. Cada prêmio tem suas nuances, mas acredito que certos prêmios, feitos de forma idônea e honesta, com um bom júri, podem avaliar boas obras e ajudar a divulgar bons livros e bons autores.

Como autora, se a trajetória da escrita é árdua, o que acontece no trajeto premiado?

Ser autor no nosso país é um grande desafio, a profissão nem é reconhecida por muitos, já que “todo mundo escreve”. Profissionalizar-se e viver de literatura é quiçá impossível no início, quem não tem condições próprias ou não investe em redes sociais fica à mercê para alcançar leitores, editores, incentivo, faturamento. Não tem espaço para todos e tantas vozes falando ao mesmo tempo. A escrita física se torna uma jornada solitária de dedicação e esforço, indo margeando outras atividades secundárias ao ato de meramente escrever. Ganhar um prêmio literário neste contexto, é mais do que um privilégio: é uma dádiva. Tenho consciência do que me aconteceu não é a trajetória comum. A maioria dos autores está na luta, na arena. A arena é dura, é árdua, mas não é impossível. Façamos então o que pudermos para que bons livros alcancem e cativem leitores.

Um livro premiado também se destaca, além da qualidade literária, pelo modo de refletir a realidade através de uma narrativa. Conta pra gente como veio a ideia para “Mãezinha”, e do processo de escrita até a conclusão da obra agraciada pelo Prêmio Caminhos.

“Mãezinha” surgiu meio ao acaso, enquanto eu estava com meu filho prematuro na UTI neonatal. Para me consolar, durante a internação, eu lia muito, mas não livros. Ficava no conforto do lactário lendo as diversas cartinhas que as Mães de UTI deixavam no dia da alta da maternidade. Fiquei contaminada com aquelas histórias de dor, alegria, luto e vitória, além de mobilizada pela minha própria fragilidade de mãe de primeira viagem. Enquanto lia as cartas e vivia parte daquelas mesmas dores e angústias, fiquei convicta de que eu não poderia deixar todas aquelas vozes morrerem ali. Um universo de coisas acontece dentro dos hospitais, convivo com isso há anos, mas na maternidade uma nova porta da parentalidade frágil havia sido descoberta. Depois de ter meu filho e enfrentar pandemia, busquei a pós-graduação de escrita como uma forma de me profissionalizar, eu buscava conhecimento. Na pós foram surgindo capítulos. Com o tempo vi que aquilo poderia se tornar um livro, um romance. Mas eu não queria contar de qualquer forma, da maneira dramática ou melosa. Queria revelar a dor, sim, mas também a ironia, a graça e as alegrias de se viver situações de fragilidade. Foram muitas idas e vindas. Páginas de reescrita, mudança de voz, de tom, de narrador, a fragmentação. Tudo buscando um jeito mais justo para aquela história.

A literatura entrou na sua vida desde cedo? Até o romance de estreia, que já chega como um marco na sua trajetória, qual era sua rotina de escrita?

Sempre escrevi desde pequena, tenho diários com 7 anos de idade. A escrita de diários sempre foi uma fuga e luta, e são até hoje, minha fonte de extravasamento. Me afastei de escrever ao vir para São Paulo e cursar a residência médica, foram anos difíceis e talvez mais duros de enfrentar exatamente por isso. Depois que engravidei e tive uma gestação de alto risco, fui obrigada a parar fisicamente e decidi retomar a escrita, algo tão necessário e que me fazia bem. Voltei a escrever poemas, crônicas e contos. E sempre os diários. Desde então não parei mais. Finalmente reconheci para mim a escrita como uma necessidade e passei a escrever sempre que podia, nos intervalos da rotina corrida. Passei a reunir meus textos em projetos, frequentar aulas, estudar, ler mais e ir mandando o que podia para concursos. Fiz duas autopublicações de coletânea de crônicas, para entender melhor e aprender sobre o processo de fazer, de se fabricar um livro por completo, não apenas a parte escrita. Só depois disso é que me reconheci como autora, mesmo oculta. Foi um processo importante de desbloqueio. Escrevo quando posso, como posso, quando dá. Quando vem alguma ideia e estou no hospital ou na rua, digito em notas no celular, que são nossos atuais guardanapos. Não são tão românticos. Ainda prefiro os velhos cadernos e papel rabiscado.

A rotina da medicina é coberta por histórias vividas por personagens reais. O olhar e a prática da escritora se modificaram com a medicina? Há uma
tradição nessa integração, inclusive respaldada pela Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, entidade da qual você faz parte.


Não só a medicina, mas a vida é composta de personagens. Não é a literatura que faz as personagens, é a vida que faz literatura. Basta você tirar os olhos do umbigo ou do celular e enxergar melhor as coisas ao redor. Meu olhar de médica me fez coletar durante esses vários anos diversos humanos e suas histórias. É desse olhar que provém a escritora. A escritora é a alquimista da própria vida, ela escreve, analisa, edita e redescobre a vida na literatura. Transforma dor e dissabor em texto. Transforma memória e experiência em uma coisa nova, em uma coisa boa e útil: em literatura. Durante muito tempo achei que eram seres separados. A escritora e a médica. A médica e a monstra. Mas não. Hoje sei que são seres retroalimentados. Eu escrevo para ressignificar o que vivi. E o que eu vivo na medicina, na vida, e, com a literatura, aprendendo, e tenho mais forca para enfrentar os percalços da vida. A literatura me faz mais forte. A minha força me dá maior enfrentamento para que eu possa depois, fazer mais literatura. O mundo costuma colocar as pessoas em caixinhas sociológicas. Temos que executar uma função, ter um cargo, uma profissão, fazer parte. Então, faço parte de várias coisas. Sou escritora, sou médica, sou mãe. Sou picotada.

Qual será sua primeira pergunta para Henrique Rodrigues na mentoria sobre carreira e mercado literário, que faz parte da premiação?

A pergunta é simples, mas a reposta talvez beire ao impossível: como sobreviver com autenticidade no mercado literário?

E antes ter essa experiência com quem conhece tão bem o circuito literário brasileiro, o que acha do momento atual para as escritoras no país?

A maré para escritoras está favorável, afinal, faz parte desse movimento de acolhimento de vozes. A sociedade demanda essa mudança. Mas, independente de gênero ou qualquer situação, vamos acolher, acima de tudo, vozes humanas.

O romance será lançado em maio, durante a edição comemorativa de 20 anos do Flipoços, em Poços de Caldas. Quais os seus planos até lá?

Pretendo aproveitar ao máximo tudo que está acontecendo. Editar o melhor que posso o livro, continuar minha dedicação e rotina de escrita da Newsletter dos textos curtos e poemas. Fazer com que mais pessoas conheçam minha escrita. Chegou a hora de viver essas trocas, experiências, lugares, enfim, aproveitar uma das coisas que a literatura traz de melhor na vida: aproximar pessoas.

Mais:

Entrevista com Henrique Rodrigues na Flip 2024:
Entrevistas realizadas na Flip estão disponíveis no YouTube – Livronews

Site oficial: www.premiocaminhos.com.br

Trecho do livro no Página Cinco:
Leia um trecho inédito de Mãezinha, livro vencedor do Prêmio Caminhos (uol.com.br)

Siga no Instagram:
@izabellacristoautora

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