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Obra de Vargas Llosa, morto aos 89, ajuda a entender a América Latina

Morreu ontem, 13 de abril, aos 89 anos, o escritor Mario Vargas Llosa. Nascido em 1936, na cidade de Arequipa, no Peru, é um dos maiores escritores da literatura latino-americana. Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 2010, sua obra mistura realidade e ficção com maestria. Sua trajetória inclui romances, ensaios e até incursões na política.

Foi criado por sua mãe e seus avós, entre o Peru e a Bolívia. Sua paixão pela literatura surgiu cedo e ele foi influenciado por autores como Tolstoi, Balzac e Dickens. Essas vivências moldariam sua escrita crítica e densa.

Ganhou notoriedade com a publicação de “A Cidade e os Cachorros” (1963), baseado em sua experiência em um colégio militar. Integrou o Boom Latino-Americano ao lado de García Márquez e Cortázar.

Em 1990, Llosa candidatou-se à presidência do Peru, defendendo ideias liberais. Derrotado, retornou à literatura, mas manteve forte atuação como intelectual público. Suas opiniões dividem críticos e admiradores.

Seus livros exploram poder, violência, ditaduras e paixões humanas. Combinando narrativa complexa e ironia, Llosa critica a corrupção e a hipocrisia social. Sua obra é um retrato da América Latina.

Além do Nobel, recebeu prêmios como o Cervantes e o Prêmio Príncipe das Astúrias. Seus livros são traduzidos para dezenas de idiomas, consolidando-o como um clássico vivo.

Mesmo após os 80 anos, Llosa seguiu publicando, como ”Tempos Ásperos” (2019). Sua influência vai além da literatura, inspirando cineastas e dramaturgos. Vargas Llosa é um dos poucos autores que unem crítica, público e academia. Sua obra permanece essencial para entender a América Latina e a condição humana.

Principais Obras de Mario Vargas Llosa

A Cidade e os Cachorros (1963)

A Cidade e os Cachorros, romance que lançou Vargas Llosa à fama nos anos 1960, retrata a vida brutal dos cadetes no Colégio Militar Leoncio Prado, em Lima, inspirado na experiência do autor. Em um ambiente de violência e humilhação, onde os veteranos oprimem os novatos (os “cachorros”), um grupo de jovens forma “O Círculo” para se proteger, mas acaba reproduzindo a mesma crueldade. Com uma narrativa fragmentada, que mescla passado e presente, a obra expõe a desumanização e a corrupção da hierarquia militar. Considerado um clássico da literatura latino-americana, o livro foi traduzido para mais de 30 línguas. 

A Casa Verde (1966)

A Casa Verde, segundo romance de Vargas Llosa, é uma obra ambiciosa que narra a transformação de Piúra, uma pacata cidade peruana, com a chegada de um misterioso prostíbulo construído por Dom Anselmo. O bordel, pintado de verde, atrai habitantes, militares e marginais, arrastando-os para um mundo de corrupção e vício. Com uma narrativa fragmentada, Vargas Llosa entrelaça vozes e temporalidades, criando um mosaico de histórias que refletem a decadência e os desejos humanos. Publicado em 1966, o livro consagrou o autor, ganhando o Prêmio da Crítica (Espanha) e o Rómulo Gallegos (Venezuela). Influenciado por Faulkner e Flaubert, o romance solidificou Vargas Llosa como um dos grandes nomes do Boom latino-americano.

Conversa no Catedral” (1969)

Conversa no Catedral, um dos romances mais impactantes de Vargas Llosa, acompanha o encontro entre Zavalita, um jornalista de classe média alta, e Ambrosio, ex-motorista de seu pai, em um bar chamado Catedral. Através de memórias fragmentadas, os dois reconstroem o Peru dos anos 1950, revelando um país marcado por corrupção, repressão política e conflitos sociais. A narrativa, complexa e envolvente, entrelaça histórias pessoais e coletivas, expondo laços de poder, traição e um trágico vínculo entre os protagonistas. Publicado em 1969, o livro é considerado uma obra-prima da literatura latino-americana, capturando a essência de uma época turbulenta e a busca por identidade em meio ao caos.

Pantaleão e as Visitadoras (1974)

Pantaleão e as Visitadoras (1974), uma das obras mais satíricas de Vargas Llosa, acompanha o capitão Pantaleão Pantoja, encarregado de organizar um serviço de prostituição para soldados na selva amazônica. Sua missão secreta, inicialmente burocrática, transforma-se num escândalo quando o projeto cresce descontroladamente, envolvendo figuras excêntricas e perturbando sua vida pessoal. Entre conflitos familiares e uma paixão proibida por uma das “visitadoras”, Pantaleão vê sua disciplina militar ruir em meio ao caos. Com humor ácido, Vargas Llosa critica a hipocrisia institucional e os absurdos da hierarquia militar. Adaptado para o cinema, o livro consagrou-se como um clássico do autor, mesclando sátira social e tragédia pessoal.

Tia Júlia e o Escrevinhador (1977)

Tia Julia e o Escrevinhador (1977) é um romance autobiográfico onde Vargas Llosa narra, com humor e ironia, suas memórias como Varguitas, um jovem de 18 anos aspirante a escritor em Lima nos anos 1950. Sua vida se complica quando se apaixona por Tia Julia, sua tia boliviana divorciada, enquanto trabalha com Pedro Camacho, um excêntrico escritor de radionovelas cujas histórias melodramáticas dominam o ar. À medida que o sucesso de Camacho se torna obsessivo e o romance de Varguitas enfrenta a reprovação familiar, as narrativas real e ficcional se entrelaçam de forma genial. Com diálogos afiados e uma sátira ao dramalhão radiofônico, o livro mistura memória e ficção, revelando os primeiros passos literários e amorosos do futuro Nobel.

A Guerra do Fim do Mundo (1981)

A Guerra do Fim do Mundo (1981) é a obra-prima épica de Vargas Llosa, que reconta a Guerra de Canudos com a força de um romance histórico monumental. Inspirado por Os Sertões de Euclides da Cunha, o autor mergulhou em pesquisas no Brasil, percorrendo o sertão baiano para recriar o conflito com riqueza de detalhes. No centro da narrativa está Antônio Conselheiro, o místico de “olhos flamejantes”, cuja liderança fanática arrasta milhares ao massacre. Vargas Llosa mescla personagens reais e ficcionais, transformando o drama brasileiro num universo literário universal, onde fé, violência e destino se entrelaçam. Considerado seu tour de force, o livro transcende a reconstrução histórica para questionar fanatismos e revoluções. Uma obra essencial da literatura latino-americana. 

A Festa do Bode (2000)

A Festa do Bode (2000) é um dos romances mais impactantes de Vargas Llosa, laureado com o Nobel. A obra reconstrói os últimos dias do cruel ditador dominicano Rafael Trujillo (“O Bode”) e os 31 anos de seu regime totalitário. Com precisão histórica e narrativa envolvente, o livro entrelaça três tramas: o retorno de Urania a Santo Domingo após décadas de exílio, as conspirações do círculo íntimo do ditador e o plano de insurgentes para assassiná-lo. Vargas Llosa expõe a brutalidade do poder absoluto e suas consequências humanas, criando um thriller político que mescla drama pessoal e tensão histórica. Uma reflexão magistral sobre tirania, corrupção e resistência na América Latina.

Travessuras da Menina Má (2006)

Travessuras da Menina Má (2006) narra a tumultuada paixão entre Ricardo, um peruano sonhador que conquista Paris, e Lily, a “menina má” que vive reinventando sua identidade e destino. Ao longo de décadas, seus caminhos se cruzam em cenários emblemáticos: a efervescência política de Paris nos anos 1960, o clima hippie de Londres nos 1970, o submundo de Tóquio e a transição espanhola nos 1980. Vargas Llosa constrói um romance de amor atípico, onde a personagem feminina – volúvel, sedutora e imprevisível – desafia todas as convenções, arrastando o protagonista por uma montanha-russa de encontros e despedidas. Com prosa ágil e emocionalmente potente, o autor explora as múltiplas faces do amor: sua capacidade de iluminar e destruir vidas. Uma obra sobre o eterno jogo entre desejo e realidade.

O Sonho do Celta (2010)

O Sonho do Celta (2010) reconstrói a vida extraordinária de Roger Casement, o diplomata britânico que denunciou os horrores coloniais no Congo e na Amazônia, antes de se tornar mártir da independência irlandesa. Vargas Llosa acompanha Casement em sua prisão londrina em 1916, aguardando execução por traição, enquanto memórias revelam sua transformação: de funcionário do Império a revolucionário anticolonial. A narrativa expõe as brutalidades que testemunhou – desde os crimes de Leopoldo II no Congo até os abusos dos barões da borracha no Peru – e sua radicalização política. Uma obra sobre consciência, contradição e o preço da liberdade, onde o Nobel mescla jornalismo e literatura para iluminar um herói trágico do século XX.

O Herói Discreto (2013)

O Herói Discreto (2013) apresenta duas histórias entrelaçadas de resistência silenciosa no Peru contemporâneo. Felícito Yanaqué, dono de uma transportadora, desafia chantagistas que exigem “proteção”, recusando-se a ceder à extorsão apesar das ameaças. Paralelamente, Ismael Carrera, idoso empresário, enfrenta a ganância dos filhos ao se casar com uma jovem, desencadeando uma guerra familiar. Vargas Llosa reconta com maestria esses dramas cotidianos, trazendo de volta personagens icônicos como Lituma e Don Rigoberto em participações especiais. Uma narrativa sobre coragem anônima e integridade, onde pessoas comuns se tornam heróis ao defender seus princípios contra a corrupção e o oportunismo. 

Tempos ásperos (2019)

Tempos Ásperos (2019) mergulha nos turbulentos anos 1950 na Guatemala, quando a Guerra Fria transformou o país em palco de um golpe patrocinado pela CIA que marcaria toda a América Latina. Vargas Llosa tece um painel histórico e humano ao acompanhar figuras reais e fictícias – desde líderes políticos até cidadãos comuns – em meio a conspirações internacionais, traições e paixões pessoais. Com a maestria narrativa de A Festa do Bode, o Nobel expõe como mentiras geopolíticas destruíram um governo democrático e condenaram uma nação ao subdesenvolvimento. Uma reflexão urgente sobre como as sombras da Guerra Fria ainda assombram o continente.

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