A jornalista Olívia Mindêlo acaba de lançar o livro Histórias saídas do mar (Vacatussa Editora, 84 páginas), sua estreia como autora de ficção e também sua primeira obra destinada ao público infantojuvenil. O livro, que foi lindamente ilustrado pela artista Juliana Lapa, reúne três contos que têm os animais como grandes protagonistas. São eles os atores principais que mudam o curso das histórias, contadas a partir da perspectiva deles. As narrativas “A Baleia e a Raposa”, “Atobaldo” e “Noninho e Magali” compartilham também a presença do mar e da costa, cenários onde tudo acontece. Segundo Olívia, os textos trabalham “o amor pelos bichos, pelo mar, pela terra e promovendo um estímulo à educação emocional das crianças, diante das perdas, da diversidade da vida, da natureza e da máquina de sentir que é a existência”.
O livro será lançado neste sábado, 30 de novembro, na livraria Pó de Estrelas, às 15h30. Durante o evento, além da sessão de autógrafos, haverá a contação de uma das histórias por Stephany Metódio, com tradução em libras por Yastricia. No domingo, dia 8 de dezembro, às 15h, acontece um segundo lançamento com contação de história de Leo Vila Nova, na feira NaFoz, na Fundação Gilberto Freyre.
O Livronews conversou com a autora sobre o processo de criação do livro, seu diálogo com o público infantil e sua formação como leitora e escritora.
Este é o seu primeiro livro infantojuvenil. Fala sobre isso.
Gosto de dizer que este é o meu primeiro livro de ficção. Jamais tinha inventado histórias, a não ser na minha infância. No máximo, poesias guardadas na gaveta. E foi justamente quando criança que eu me encantei pela literatura, minha mãe me proporcionou isso. E ali, com Cecília Meireles, nas tarefas de casa, nos textos livres para a escola, surgiu meu grande amor pela escrita, que foi muito alimentado também pelas cartas. Quando a professora perguntou a clássica “o que queríamos ser quando crescessemos”, minha resposta foi, aos 8 anos, “ser escritora”. Me tornei jornalista também por isso, mas escrever este livro é um sonho de criança realizado, definitivamente. Como uma criança que amava desenhar e se reencontra com esse amor.
Como surgiram essas histórias?
Essas histórias surgiram há dez anos, mais ou menos. Primeiro veio “A Baleia e a Raposa”. Eu estava vivendo um processo emocional intenso, transformador, e a história foi uma resposta metafórica às vivências daquele momento. Imaginar o encontro entre os dois bichos foi um processo de cura. Eu pensava: “E se antes de todo mundo existir, antes de qualquer ser humano respirar, tivesse havido um encontro entre bichos tão diferentes e aparentemente distantes?”. E, então, coisas surpreendentes aconteceram, coincidências como: eu colocar no Google “A Baleia e a Raposa” para saber se já existia uma história com esse título, e aparecer uma matéria da BBC falando sobre uma tese científica de que o mesmo bicho ancestral da raposa é também o da baleia. E aí, para as outras histórias, foi um pulo, uma necessidade de criar um livro de contos, de fábulas, digamos assim. Uma coisa foi puxando a outra.
Fala um pouco do processo de produção desses três contos.
Eu preciso dizer que sou a louca das baleias. Além de ser meu apelido de adolescência, vários amigos me mandam vídeos e imagens pelo Instagram, tenho uma pasta salva só disso e uma tatuagem no braço. Já viajei para Abrolhos, na Bahia, só para vê-las. As jubartes, sobretudo. Imagine um ônibus saltando do mar. São elas. Como ficar indiferente? Além disso, quando eu era adolescente, meu pai, Orlando, morou em Fernando de Noronha e eu pude ver de perto esse mundo selvagem de uma maneira muito especial. Golfinhos rotadores, arraias, tubarões, tartarugas marinhas, ouriços brancos, peixes coloridos, rochas vulcânicas em meio a um mar esmeralda. Isso foi um fascínio puro para mim. “Então a gente vive neste planeta?”, pensei. E aí, no meio desses bichos, eu conheci o atobá, o pássaro que mergulha para pegar peixes dentro d’água. Quando fui a Abrolhos, bem depois, eu vi não só as jubartes, como reencontrei esses pássaros e vi um deles colocando um gravetinho na boca do outro. Me chamou atenção e fui pesquisar sobre esse animal. E assim eu entrei na história de Atobaldo. Todos esses contos são fruto de observações reais, da minha maneira de admirar o mundo.
Agora, Noninho e Magali não. É uma história de amor real e impressionante entre os gatos de uma amiga que se conheceram em Itamaracá e viveram juntos até morrer, no Recife. Achei que mais pessoas deveriam conhecer essa história que ela tanto gosta de contar e resolvi ficcionalizar, completando esse livrinho.
Como não consigo escrever pouco, o livro foi crescendo e virou infantojuvenil, mas também porque eu queria aprofundá-lo, contar histórias para a segunda infância em diante, com maior maturidade emocional. Para pessoas em formação e transformação.
Todas elas têm os animais como personagens principais. Por quê?
Por conta disso tudo, por essa minha vivência e porque sempre gostei dos bichos. Acho que também pela influência da literatura, que tem muitos deles. Eu queria tentar contar as histórias da perspectiva dos bichos, quando nós humanos, que nos achamos donos do mundo, ainda nem existíamos, não éramos nem pensamento. É uma forma de relativizar nossa superioridade, e tentar diminuir essa cisão arrogante que criamos em relação a outras espécies. Por isso, começo falando de uma era em que humanos não existiam até um momento em que somos meros coadjuvantes. Isso marca as três histórias, que acabam tendo a minha visão de humana, inevitável rs, mas tento entrar mais no mundo deles e trazer para o nosso, entendendo que dividimos o mesmo oxigênio. Por terem outras racionalidades, também nos ensinam a acessar o plano emocional. Nos ensinam a sentir. Meu pai diz que “os bichos nos humanizam”, acho curioso isso.
O mar também, de uma maneira ou de outra, está presente. Inclusive no título do livro. Conta um pouco sobre essa presença.
O mar é o caldeirão da vida, o princípio do mundo e de todas as formas de vida. “O mar é mãe”, como diz a artista Estela Miazzi. E como seres do Atlântico Sul, somos bichos do mar. Como pernambucana nascida em Salvador, em frente ao mar, literalmente, não podia ser diferente e fiz questão também de botar nossas referências reais e afetivas: Itamaracá, Noronha… Esse livro é um reencontro com o meu amor pelo mar, pelos bichos e pela Terra.
Você já publicou outros livros, mas todos voltados para o público adulto. Conta como foi esse processo de agora escrever para crianças.
Só publiquei o livro sobre Montez Magno, artista pernambucano, em 2018, por encomenda da Cepe Editora, que foi um desdobramento da prática jornalística. No mais, editei alguns livros de arte, organizei e assim foi. Neste caso, a história é completamente outra. Foi um processo comigo, de viajar, imaginar, mas meio desgovernado, de me desafiar e descobrir como transformar, em palavras, imagens e sentimentos. Não foi fácil, foi muita ousadia de minha parte, não tinha muita noção. Thiago Correia, editor da Vacatussa, que me botou no prumo e me ensinou muito durante o processo de tornar os contos publicáveis.
Eu escolhi escrever para crianças porque achava, além do fantástico e prazeroso de contar uma história, que precisamos de mais educação emocional no mundo, sobretudo para as perdas e os sentimentos que não sabemos lidar. Ajudar a criar crianças que precisam lidar com essa máquina de sentir que é a existência. Além disso, gosto das pessoas abertas, cheias de inteligência e em desenvolvimento, e assim são as crianças. Eu queria conversar com elas.
A Olívia criança, era uma Olívia leitora de livros? Como essa relação anterior com os livros te levou até essa produção atual?
Minha mãe, Alzira, foi a minha principal incentivadora. Ela quem me abriu as portas para a literatura e a poesia da vida desde pequena, e continuou me educando assim. Uma pessoa extremamente sensível e inteligente. Ela é sertaneja de São José do Egito, no interior de Pernambuco, o Pajeú corre nas veias dela e, para quem não sabe, é uma terra de poetas magistrais. Meu avô, o pai dela, era escritor e amava os livros. Minha avó era professora, adorava falar e discursar. Meu tio é historiador, trabalhou com teatro, foi professor de literatura.
Quando criança, minha mãe me deu dois presentes marcantes: primeiro, o livro “Ou isto, ou aquilo”, de Cecília Meireles. E depois ela me deu outro livro infantil só com figuras para eu preencher o texto. Além disso, sempre me mostrou as flores, os insetos, o céu estrelado, ela é assim. “Olha isso, filha, olha que lindo”, “olha o embuá, o soldadinho, o zangão, o pé de maracujá…” E eu fui me encantando pelo encantamento dela diante da vida.
Já meu pai me ensinou a ler, no sentido racional, de interpretar o texto depois que eu já estava alfabetizada. Mesmo os livros infantojuvenis. Os livros da coleção “Para Gostar de Ler”, e também me contava a mesma história da baratinha que um dia veio comer nos dentes de dois irmãos que não escovaram antes de dormir. Ele é cabeção, intelectual, adora geopolítica e essas coisas, mas também sempre foi sensível e me apresentou às histórias do mundo e à música. Então, livros sempre foram presentes em minha vida, nem que fosse só para eu ficar olhando.