Para quem faz livro e
Para quem gosta de ler
Renata Nakano, do Clube Quindim. Foto: Rodrigo Frazão / Divulgação

Renata Nakano, do Clube Quindim, destaca a importância do afeto no gosto pela leitura

Por Mariana Oliveira

Em 2017, Renata Nakano idealizou o Clube Quindim, uma assinatura de livros infantis cujo objetivo era levar bons títulos para dentro das casas e fomentar espaços de afeto e leitura entre pais e filhos. Desde então, mais de 30 mil crianças foram impactadas em todo o Brasil, chegando a 2000 cidades e entregando mais de 500 mil obras, selecionadas por um time diverso de curadores. 

Renata, que é mãe de três crianças, mestre em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio, com MBA em Gestão de Negócios pelo IBMEC, já atua no mercado editorial há mais de 20 anos. Foi professora, jurada de prêmios literários e consultora para diferentes casas editoriais antes de idealizar o Clube Quindim. 

Nesta entrevista, ela comenta o impacto das telas nas crianças, as características de uma obra infantil de qualidade e destaca a importância da valorização do cuidador e do cuidado para que o hábito da leitura seja de fato incentivado entre os pequenos. 



LIVRONEWS Não é de hoje que discutimos a importância de formar leitores, mas pesquisas como a Retratos da Leitura mostram uma redução nesse número. Como você vê o cenário da leitura no Brasil hoje?

RENATA NAKANO Acredito que vivemos desafios estruturais persistentes, que demandam ações macro envolvendo políticas públicas com foco na educação. A falta de acesso a literatura, desigualdades socioeconômicas, além de investimentos insuficientes em bibliotecas e programas de incentivo à leitura, são obstáculos que precisam ser superados para reverter esse quadro. Em um contexto marcado pela disseminação de desinformação e pela chamada era da pós-verdade, a capacidade de leitura crítica e autônoma torna-se essencial para o exercício pleno da cidadania. A educação deveria priorizar a leitura literária, para que os indivíduos se tornem aptos a analisar, interpretar e questionar o que leem. Diante desse cenário, é imperativo que políticas públicas eficazes sejam implementadas para fomentar a leitura. É por meio de uma abordagem abrangente que tornará possível reverter a tendência de queda no número de leitores e fortalecer a leitura crítica como pilar da cidadania.

LIVRONEWS Acabamos de ver a aprovação da lei que proíbe celulares na escola. Você acredita que essa medida pode impactar positivamente nos hábitos de leitura?

RENATA NAKANO Eu acredito que sim. As telas viciam e concorrem com o tempo de leitura em todas as faixas etárias. Porém, o impacto positivo na leitura dentro da escola vai depender da capacidade daquela escola em transformar essa restrição em uma oportunidade de conversa e conscientização sobre o uso das telas, em vez de gerar apenas frustração, e do desenvolvimento de estratégias pedagógicas para formação leitora, com projetos de leitura, clubes de livros, integração das propostas cotidianas com a biblioteca escolar etc.

LIVRONEWS Em que medida, para o público infantil e jovem, as telas concorrem com os livros?

RENATA NAKANO A medida mais óbvia é a do tempo, que acaba sendo consumido em redes sociais e jogos em vez de em leitura. Mas há também a medida de aspectos cognitivos, emocionais e sociais. Alguns usos de tela bastante comuns entre crianças e jovens envolvem estímulos com recompensa imediata e fragmentação de conteúdos, que se tornam mais superficiais, por exemplo, e quando esse uso é excessivo, reduz a capacidade de concentração para leituras mais profundas e que demandem mais tempo.  

LIVRONEWS Podemos afirmar que hoje é mais difícil trazer o público infantil para o mundo dos livros do que no passado?

RENATA NAKANO Não acredito que seja mais difícil, mas a concorrência com as telas se intensificam com os smartphones e as mudanças sociais na estrutura familiar do cuidado da classe média diminuem o tempo de convivência e de leitura compartilhada. Na classe média, quando a mulher saiu para o mercado de trabalho, havia uma rede de apoio de avós e tias. Hoje essas avós estão trabalhando também, ou têm suas vidas, ou estão idosas demais para contribuir como antes. E as telas acabam ocupando esse lugar de convivência em uma sociedade que desqualifica um papel tão importante como o do cuidador.

LIVRONEWS Como é o processo de curadoria dos livros que fazem parte do Clube Quindim e quais aspectos você considera essenciais para uma obra infantil?

RENATA NAKANO No Clube Quindim, temos um corpo curador formado por especialistas em literatura infantil que falam de diferentes lugares. Eles têm liberdade para indicar livros que toda criança merece ler. Só fazemos duas orientações: que busquem valorizar livros brasileiros, pois já sofremos muitas colonização cultural, e diversificar as editoras. Assim, não é a Renata Nakano, mulher, classe média, paulista, branca que faz a seleção. Mas um grupo muito diversificado, todos especializados, mas cada um com seu lugar de fala, repertório, vivências. A partir da seleção desse grupo, vamos compondo mês a mês uma seleção com muita bibliodiversidade, que é a diversidade dos livros. Fomos assim, ao longo dos nossos 8 anos, montando mais de 38 mil microacervos pessoais de literatura infantil bastante diversa, com obras de diferentes gêneros, linguagens, estéticas, temas, origens etc. Acervos com obras que permitem a vivência literária de diferentes perspectivas de mundo, ampliando as pequenas bolhas pessoais a que somos todos submetidos.

LIVRONEWS Com que idade você acha que as crianças devem ser apresentadas aos livros. Sabemos da criação de bebetecas em algumas cidades do Brasil com o objetivo de trazer bebês para esses espaços onde o livro é protagonista.

RENATA NAKANO Acredito na leitura desde quando a criança está na barriga. Com 5 meses de gestação, ela já desenvolveu a audição, e ler para ela é uma forma de já criar vínculo e conexão. Quando nascer, ela reconhecerá aquela voz que tanto leu e conversou com ela.

LIVRONEWS A leitura é uma excelente ferramenta para estimular a imaginação das crianças. Como você percebe a relação entre a leitura e o desenvolvimento da criatividade delas?

RENATA NAKANO Ler textos literários, diferentemente de ler uma ficção banal, permite que vivenciemos genuinamente outras maneiras de estar no mundo. Isso amplia os mais variados repertórios, como o social e o emocional, ampliando possibilidades de conexão e, consequentemente, criação.

LIVRONEWS Qual o papel da família e qual o papel das escolas no processo de aproximar as crianças da literatura?

RENATA NAKANO A escola e a família são parceiros nesse processo. Do afeto, exemplo, de trazer a literatura para o centro das conversas, da ampliação de repertório, de sair da zona de conforto etc. Ler é mais do que decodificar o alfabeto. Ler é decodificar o mundo. E ambas as instituições precisam atuar em parceria nesse processo.

LIVRONEWS  Por que tantos pais ainda mandam para a escola edições mal editadas de histórias clássicas? Como fazer os adultos conhecerem e identificarem a boa literatura feita para crianças?

RENATA NAKANO Não deveriam caber aos pais a curadoria dos livros lidos nas escolas. Há um grande mercado de saldões de livros infantis em shoppings e feiras de livros em que essas edições são vendidas a preços extremamente baixos. Como a infância em nossa sociedade também é vista como algo menor, muitas vezes os “livrinhos” para “criancinhas” também recebem esse tratamento. Em relação à identificação de livros de qualidade, indico 4 dicas para desconfiar de uma obra: 1. Se o nome do autor do texto e da imagem não aparece na capa ou se ela é de autoria desconhecida. 2. Se o foco da obra não é a narrativa ou a poética, mas apenas os acessórios. Há muitas obras que são nada além de brinquedos em formato de livro, e que passam muito longe da literatura. 3. Se a ilustração se assemelha muito à estética pasteurizada dos desenhos animados da televisão. 4. Se a obra apresenta uma moral fechada, querendo ensinar uma lição em vez de propor reflexões e questionamentos

LIVRONEWS O que você sugere para os pais que querem cultivar o hábito da leitura em casa, mas não sabem por onde começar?

RENATA NAKANO Primeiro, sugiro criar um acervo pessoal com bastante bibliodiversidade e qualidade, livros que despertem interesse também do adulto, que possuam camadas de leitura e complexidades não óbvias. Depois, sugiro incluir a leitura em uma rotina que toda família tem: a rotina do sono. Toda família tem a sua rotina, que inclui escovar os dentes, colocar um pijama etc. Ler antes de dormir é uma forma de se conectar com a criança enquanto silencia e encerra o dia.

LIVRONEWS Há algum autor ou livro infantil que você acredita ser fundamental para crianças e por quê?

RENATA NAKANO A literatura infantil brasileira é reconhecida mundialmente, com autores que ganharam premiações internacionais, como Lygia Bojunga, Angela Lago, Ana Maria Machado, Marina Colasanti, Renato Moriconi, Odilon Moraes, Anabella Lopez, Aline Abreu… a lista é imensa. Mas aqui temos alguns nomes para quem deseja começar. Ademais, advogo sempre pela bibliodiversidade. O mundo é vasto, e sempre haverá muito a ser descoberto.

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